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Estudos de Cinema e Audiovisual

AnaisDeTextosCompletos(XIX)

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Sarlo ,que por sua vez dialoga com Deleuze e também Bergson, “O passado é sempre conflituoso e<br />

o presente é o único tempo apropriado para lembrar. É o tempo do qual a lembrança se apo<strong>de</strong>ra,<br />

tornando-o próprio.” (SARLO:2007, 09)<br />

O filme, então, traz uma complexa convivência entre as ações comuns e banais da mudança,<br />

a relação afetiva e politica entre Vera e Luiz que lidam com a vivencia no passado, as inquietações no<br />

presente e o que do passado se coloca no presente.<br />

No apartamento, muitas imagens são construídas a partir <strong>de</strong> janelas com vidros embaçados,<br />

cobertos por jornais velhos que impe<strong>de</strong>m a visão, vidros árticos nas portas e janelas e os vários<br />

espelhos. A presença <strong>de</strong> muitos espelhos, na sua maioria velhos, manchados, que produzem<br />

imagens sem niti<strong>de</strong>z, embaçadas é intrigante e levou-nos a incluir a i<strong>de</strong>ia do espelho como um lugar<br />

e encontramos no texto Outros Espaços, uma palestra <strong>de</strong> Foucault, em 1967, algumas provocações.<br />

O espelho é, afinal <strong>de</strong> contas, uma utopia, uma vez que é um lugar sem<br />

lugar algum. No espelho, vejo-me ali on<strong>de</strong> não estou, num espaço irreal,<br />

virtual, que está aberto do lado <strong>de</strong> lá da superfície; estou além, ali on<strong>de</strong> não<br />

estou, sou uma sombra que me dá visibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mim mesmo, que me<br />

permite ver-me ali on<strong>de</strong> sou ausente. Assim é a utopia do espelho. Mas é<br />

também uma heterotopia, uma vez que o espelho existe na realida<strong>de</strong>, e<br />

exerce um tipo <strong>de</strong> contra-ação à posição que eu ocupo. (FOUCAULT: 1967)<br />

A expressão subjetiva <strong>de</strong> Vera manifesta-se em um encontro com imagens <strong>de</strong> espelho.<br />

Des<strong>de</strong> a abertura on<strong>de</strong> a personagem ao estourar uma champanhe, comemora e é vista a partir <strong>de</strong><br />

um espelho, articula-se uma heterotopia, na qual cria a ilusão <strong>de</strong> unir o real e o não real, <strong>de</strong> viver e<br />

ouvir o outro (mesmo que na imaginação) e também testemunhar sobre aquilo que não foi<br />

compartilhado, a violência da separação e o que viveram, ou teriam vivido, após a separação. Os<br />

corpos <strong>de</strong> Vera e Luiz, marcados pela vivência <strong>de</strong> uma relação amorosa afetiva intensa,<br />

experimentaram o corpo torturado e <strong>de</strong>saparecido que nunca foi encontrado; e o corpo que foi<br />

torturado e sobreviveu. Esta pessoa sobrevivente que po<strong>de</strong> relatar.<br />

No reencontro dos personagens, diante da surpresa Vera pergunta: “ O que você está<br />

fazendo aqui?”. Luiz comenta: “Está mui linda, Ana Maria” , ao que ela retruca com firmeza: “Vera”.<br />

Eles ficam um tempo se olhando e ele pergunta: “Você não vai falar nada?” Ela, meio perplexa:<br />

“Você também não fala nada” ao que ele respon<strong>de</strong>: “Alguém tem que falar!” Este diálogo nos <strong>de</strong>z<br />

primeiros minutos do filme, que reivindica o direito <strong>de</strong> narrar ganha nova percepção ao retomarmos o<br />

pensamento <strong>de</strong> Sarlo que aponta as contradições vividas em situações como o Holocausto ou<br />

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