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Estudos de Cinema e Audiovisual

AnaisDeTextosCompletos(XIX)

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personagens também se encontram “presos”, mas a uma embarcação, meio <strong>de</strong> transporte que,<br />

ironicamente, não os possibilita chegar a <strong>de</strong>stino algum.<br />

Em Peixoto, a ironia do <strong>de</strong>slocamento que equivale à prisão po<strong>de</strong> ser encontrada no citado<br />

movimento <strong>de</strong> câmera no topo do morro: a agilida<strong>de</strong> do gesto – que po<strong>de</strong>ria simbolizar a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

“liberda<strong>de</strong>” – remete à “imagem germe” das algemas: os movimentos circulares da câmera, para um<br />

lado e para o outro, simulam a figura das algemas, e <strong>de</strong>senha em seu trajeto o símbolo do infinito (∞).<br />

Uma câmera infinitamente em movimento; personagens infinitamente aprisionados; eterno retorno ao<br />

ponto <strong>de</strong> partida. “Nosso cinema ou é experimental ou não é coisa alguma”: uma cinematografia que,<br />

para Bressane, oscilaria entre a negação <strong>de</strong> certo cinema (narrativo e convencional) e “coisa alguma”<br />

– outra negação, ainda mais radical que a primeira.<br />

Po<strong>de</strong>mos lembrar a célebre fórmula <strong>de</strong> Paulo Emílio Salles Gomes, que pensou o cinema<br />

brasileiro a partir <strong>de</strong> sua “incapacida<strong>de</strong> criativa em copiar” (GOMES, 1980, p. 90): um elemento<br />

“negativo” (a incapacida<strong>de</strong>) po<strong>de</strong> transformar-se em “positivo” (o fato <strong>de</strong>ssa incapacida<strong>de</strong> ser, ao<br />

mesmo tempo, “criativa”). Na tentativa <strong>de</strong> se emular um mo<strong>de</strong>lo narrativo estrangeiro, chegar-se-ia à<br />

efetiva criação – ou, para usar um termo caro ao cinema experimental, à “invenção”.<br />

O crédito final <strong>de</strong> A agonia tenta dar a enten<strong>de</strong>r o que po<strong>de</strong>ria ser esse “cinema experimental”<br />

ou “<strong>de</strong> invenção”: cinema em que “o meio” seria “o FIM”. Ou seja, um cinema cuja única finalida<strong>de</strong><br />

seria o próprio meio cinematográfico, cinema “do” cinema, segundo Teixeira, mas também a frase <strong>de</strong><br />

O bandido da luz vermelha, <strong>de</strong> Rogério Sganzerla: “um filme <strong>de</strong> cinema”. <strong>Cinema</strong> “<strong>de</strong>” cinema, a<br />

relação entre A agonia e Limite. Em seu projeto por um cinema experimental, Bressane elege, como<br />

tema, os próprios materiais cinematográficos, ou ainda essa espécie <strong>de</strong> “tradição às avessas”, aqui<br />

representada por Mário Peixoto. Uma “tradição” constituída <strong>de</strong> insucessos e negativas, sempre<br />

ameaçada pelo esquecimento e pela morte: um “cinema da lepra”.<br />

Negativida<strong>de</strong> e melancolia<br />

A cineasta e psicanalista Miriam Chnai<strong>de</strong>rman aponta a onipresença da morte tanto em<br />

Limite quanto em A agonia, e cita Além do princípio do prazer, <strong>de</strong> Freud: “o objetivo <strong>de</strong> toda vida é a<br />

morte”, retornar a um estado “inorgânico”. (CHNAIDERMAN, 2010, p. 204) Deixar <strong>de</strong> ser um indivíduo<br />

para, <strong>de</strong> certa maneira, “diluir-se na paisagem”. Paisagem que é central tanto para A agonia quanto<br />

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