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Estudos de Cinema e Audiovisual

AnaisDeTextosCompletos(XIX)

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[...] muitos anos <strong>de</strong>pois tentou impedir que nossa rua, que era <strong>de</strong><br />

calçamento, fosse asfaltada e, sentadinha na calçada, chorou enquanto a<br />

máquina passava o asfalto. (OAD, em entrevista à autora, grifos nossos)<br />

O entrevistado também nos informou o en<strong>de</strong>reço exato do imóvel que, para nossa surpresa,<br />

ainda existe, apesar <strong>de</strong> se situar em um dos bairros da cida<strong>de</strong> que mais sofreu com a especulação<br />

imobiliária nos últimos anos. Entretanto, nada em sua fachada nos permitiria reconhecê-lo<br />

atualmente. A casa, outrora com muro baixo e jardim frontal, hoje se escon<strong>de</strong> atrás <strong>de</strong> um muro alto,<br />

branco, com portão <strong>de</strong> alumínio e cerca <strong>de</strong> arame farpado. Ao narrar as reformas pelas quais a casa<br />

passou e o sofrimento <strong>de</strong> sua irmã ao testemunhar o asfaltamento da rua, OAD nos evi<strong>de</strong>ncia a<br />

relação mútua, <strong>de</strong>stacada no início <strong>de</strong>sse texto, entre as transformações urbanas e os<br />

acontecimentos da esfera privada <strong>de</strong> seus habitantes. Ele relembra que, nos anos seguintes ao da<br />

filmagem, a casa <strong>de</strong> sua família era a única da rua que permanecia com o muro baixo e que, por<br />

pressão dos vizinhos (que se sentiam inseguros), a família acabou <strong>de</strong>cidindo aumentá-lo. Como<br />

vestígio <strong>de</strong> um passado recente, a casa <strong>de</strong> muro baixo sobrevive, agora, nesse filme Super-8 e,<br />

inserida em Supermemórias, nos fala <strong>de</strong> uma Fortaleza que já não existe mais.<br />

A partir da indagação que a historiadora Sylvie Lin<strong>de</strong>perg 7 se coloca sobre quando uma<br />

imagem se tornaria arquivo, temos nos perguntado em que momento (e <strong>de</strong> que forma) uma imagem<br />

<strong>de</strong> família se tornaria lugar <strong>de</strong> memória – no caso, para uma cida<strong>de</strong>. Sabemos que essas imagens<br />

traduzem uma necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vencer o tempo (BAZIN, 1991, p.21) e, assim, compor a memória <strong>de</strong><br />

um grupo familiar. Apesar disso, vimos que elas também fixaram, quase sem querer, fragmentos do<br />

passado recente <strong>de</strong> Fortaleza, o que, no entanto, não é suficiente para torná-las lugar <strong>de</strong> memória<br />

<strong>de</strong>ssa cida<strong>de</strong>. Para tanto, elas precisaram ser submetidas a um novo gesto criativo. Percebemos isso<br />

na esteira da tese <strong>de</strong>fendida por Thaís Blank (2015), <strong>de</strong> que os filmes <strong>de</strong> família passam a pertencer<br />

ao seu tempo histórico e entram para a memória comum ao serem reelaborados pela montagem,<br />

trazidos a público. Ou seja, é pelo gesto da montagem que Carvalho se apropria <strong>de</strong>sses filmes Super-<br />

8, tornando-os elementos <strong>de</strong> construção, em Supermemórias, <strong>de</strong> um lugar <strong>de</strong> memória para a cida<strong>de</strong><br />

que lhes serve <strong>de</strong> pano <strong>de</strong> fundo.<br />

7 Em entrevista a Jean-Louis Comolli, ao refletir sobre sua pesquisa a partir <strong>de</strong> imagens filmadas no contexto do<br />

Holocausto, Lin<strong>de</strong>perg diz que uma imagem não é produzida como arquivo, ela se torna.<br />

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