Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Mas a ignorância da matéria escura difere fundamentalmente da<br />
ignorância do éter. Enquanto o éter equivalia a um representante de nossa<br />
compreensão incompleta, a existência da matéria escura não deriva de mera<br />
presunção, mas de efeitos observados de sua gravidade sobre a matéria<br />
visível. Não estamos inventando a matéria escura a partir do nada; em vez<br />
disso, deduzimos sua existência a partir de fatos observacionais. A matéria<br />
escura é simplesmente tão real quanto os mais de cem planetas descobertos<br />
em órbita ao redor de estrelas que não o Sol – quase todos encontrados<br />
unicamente pela sua influência gravitacional nas estrelas anfitriãs. O pior<br />
que pode acontecer é que os físicos (ou outros de insights profundos)<br />
descubram que a matéria escura não consiste absolutamente em matéria,<br />
mas em alguma outra coisa, sem, entretanto, conseguir descartá-la pela<br />
argumentação. A matéria escura poderia ser a manifestação de forças de<br />
uma outra dimensão? Ou de um universo paralelo intersectando o nosso?<br />
Mesmo assim, nada disso mudaria a invocação bem-sucedida da gravidade<br />
da matéria escura nas equações que usamos para compreender a formação e<br />
evolução do universo.<br />
Outros céticos implacáveis poderiam declarar “ver para crer”. Uma<br />
abordagem “ver para crer” da vida funciona bem em muitos<br />
empreendimentos, inclusive engenharia mecânica, pescaria e talvez<br />
encontros amorosos. É também boa, aparentemente, para residentes de<br />
Missouri. Mas não produz boa ciência. A ciência não concerne apenas a ver. A<br />
ciência diz respeito a medir – de preferência com algo que não seja nossos<br />
próprios olhos, que estão inextricavelmente amalgamados com a bagagem de<br />
nosso cérebro: ideias preconcebidas, noções pós-concebidas, imaginação não<br />
verificada com respeito a outros dados, e viés.<br />
Tendo resistido a tentativas de detectá-la diretamente sobre a Terra por<br />
três quartos de século, a matéria escura tornou-se uma espécie de teste<br />
Rorschach do investigador. Alguns físicos de partículas dizem que a matéria<br />
escura deve consistir numa classe fantasmagórica de partículas ainda não<br />
descobertas que interagem com a matéria via gravidade, mas que, excluindo<br />
essa possibilidade, interagem com a matéria ou a luz apenas fracamente, ou<br />
de forma alguma. Isso parece bizarro, mas a sugestão tem precedente. Sabese<br />
muito bem, por exemplo, que os neutrinos existem, embora interajam de<br />
modo extremamente fraco com a luz e a matéria comuns. Os neutrinos do<br />
Sol – dois neutrinos para cada núcleo de hélio feito no núcleo solar – viajam<br />
pelo vácuo do espaço quase à velocidade da luz, mas depois passam através<br />
da Terra como se ela não existisse. O cálculo: noite e dia, 100 bilhões de<br />
neutrinos vindos do Sol entram e depois saem de cada polegada quadrada<br />
(6,25 centímetros quadrados) de nossos corpos a cada segundo.<br />
Mas os neutrinos podem ser detidos. A cada rara ocasião, eles interagem<br />
com a matéria via força nuclear fraca da natureza. E se conseguimos deter<br />
uma partícula, podemos detectá-la. Compare-se o comportamento elusivo<br />
dos neutrinos com o do Homem Invisível (em sua fase invisível) – um<br />
candidato tão bom quanto qualquer outro para a matéria escura. Ele podia