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Lançamento do livro "História dos índios no Brasil

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torial e física são programadas a partir deprincípios a priori, que dispensam a participação<strong>do</strong>s índios. Em função desta prioridade,e <strong>do</strong> caráter emergencial da atuação,não se planifica a proteção daauto<strong>no</strong>mia sócio-cultural propriamente dita,a não ser através de recomendações genéricas,relativas ao "respeito" à cultura.A interpretação <strong>do</strong> que se deve respeitar,ou não, fica a critério <strong>do</strong>s agentes, dependen<strong>do</strong>portanto de sua sensibilidade,experiência e capacidade de resistência aoassédio <strong>do</strong>s índios. Assim, atualmente, <strong>no</strong>spostos de atração, aceita-se a distribuiçãode macha<strong>do</strong>s, terça<strong>do</strong>s, anzóis e linhas,mas não de lanternas, isqueiros ou lonas;panela de alumínio ou miçanga de vidropodem ser distribuí<strong>do</strong>s, mas com ressalvas,pois se admite que, ao adquirir esses artefatos,os índios deixarão de confeccionarseus artefatos tradicionais. Os critérios a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>scomo medidas preventivas para evitaro choque cultural relacionam-se basicamenteao cálculo das dependências edas perdas culturais. Podem mudar: a distribuiçãode roupas, antes tão simbólicaquanto a de ferramentas, foi hoje totalmenteabolida. São pequenas mudanças quenão alteram o conteú<strong>do</strong> da relação protecionista.Na prática, a seleção de traços aserem preserva<strong>do</strong>s se apoia em critérios vagose aleatórios. Não leva em conta a sequênciade impactos que - inevitavelmente- a introdução de qualquer informaçãoou técnica <strong>no</strong>va irá provocar. Assim, paracitar apenas um elemento, passar da pescacom timbó nas cabeceiras <strong>do</strong>s igarapésà técnica da linha com anzol, exige readaptaçõesprofundas não apenas <strong>no</strong> gestual,na divisão de trabalho, etc... mas sobretu<strong>do</strong>na seleção de áreas propícias para estaforma de pesca: altera portanto a relação<strong>do</strong> grupo com seu território 11 . Mas anzol"pode", já que se acredita que a difusãodesta técnica representa uma melhoria imediatana aquisição de proteínas. Aplicaçãode terapias químicas pesadas também "pode",apesar <strong>do</strong>s impactos não apenas biofísicosmas sociológicos e sobretu<strong>do</strong> simbólicosque <strong>no</strong>ssa prática médicaprovoca 12 . Para salvar os que são, na visãocomum, sub-niitri<strong>do</strong>s e <strong>do</strong>entios, nãohá tempo para avaliar os choques culturais.Confronto de estratégias: a política<strong>do</strong> contatoUm segun<strong>do</strong> aspecto a ser considera<strong>do</strong>diz respeito ao confronto não apenascultural mas político entre atuação protecionistae estratégia indígena. As medidasde proteção à i<strong>no</strong>cência e fragilidade <strong>do</strong>sisola<strong>do</strong>s escamoteiam o importante nívelda política <strong>do</strong> contato, levada à frente tantopelos agentes de contato quanto pelosíndios recém-contacta<strong>do</strong>s. No cotidia<strong>no</strong> desua atuação, a maior parte <strong>do</strong>s agentes decontato não toma consciência de estar promoven<strong>do</strong>relações de <strong>do</strong>minação. Os índios,quanto a eles, tem plena consciênciadestas relações e se prestam, através deestratégias diversas, ao jogo da submissão.Sua insistência em pedir, ou tomar, os bensque lhes são ofereci<strong>do</strong>s à conta-gotas - atitudesovina expressamente desprezada -não significa que incorporem as relaçõesde subordinação implícitas nessas distribuições.Razão pela qual não aceitam os critériosque presidem à escolha <strong>do</strong>s objetosoferta<strong>do</strong>s. Na região <strong>do</strong> Cuminapanema,<strong>no</strong>rte <strong>do</strong> Pará, os índios Zoe consideramos brancos como "<strong>do</strong>a<strong>do</strong>res de algodão",uma categoria construída em função desuas primeiras experiências de contato. Hávárias décadas, eles obtêm episodicamentepeças de roupa que são desfiadas para reutilização<strong>no</strong> trança<strong>do</strong> de tipóias, de redese nas amarrações de flechas. Encontra<strong>do</strong>sem 1987 pela Missão Novas Tribos, foramagracia<strong>do</strong>s durante algum tempo por fartadistribuição de roupas, utilizadas comovestes ou desfiadas. Bruscamente, os missionáriosdeixaram de distribuí-las, por estarempreocupa<strong>do</strong>s com as críticas que aFunai faria à sua atuação "aculturativa".Efetivamente, os agentes da Funai quesubstituíram os missionários recolheram omáximo de roupas que puderam encontrarnas casas. Os Zoe têm, como única alternativa,furtar pa<strong>no</strong>s que usam como vesteou para as amarrações de suas flechas.Sua lógica não é apenas utilitária, mas política:,usar roupa é se parecer com os brancose estabelecer, através da aparência,uma "relação mais igualitária com eles.Nosso imaginário cristalizou nesses últimosa<strong>no</strong>s um composto genérico de tra-

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