10.07.2015 Views

Lançamento do livro "História dos índios no Brasil

Lançamento do livro "História dos índios no Brasil

Lançamento do livro "História dos índios no Brasil

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

seres huma<strong>no</strong>s, plantas e animais, circulan<strong>do</strong>entre eles. Na forma possuída, carregadada identidade daquele que seutilizou dela, a força polui e é fonte de perigopara outrem. Caída na terra, é lavadapelas águas das chuvas e rios, purificada.Absorvida pelos vegetais, é neles reprocessada,tornada então apta para vitalizar <strong>no</strong>vamenteos huma<strong>no</strong>s e os animais. Aságuas trazem o viço e o vigor às plantas,abundância à mata, alegria aos grupos locaisque, reuni<strong>do</strong>s em festas, celebram suaunidade e seu universo comum.O corpo e as várias almas humanas sãoabasteci<strong>do</strong>s pela dieta baseada em vegetaise animais estritamente vegetaria<strong>no</strong>s. Amorte, quan<strong>do</strong> chega, traz a fragmentaçãoda pessoa: desti<strong>no</strong>s diversos são reserva<strong>do</strong>saos seus muitos componentes. Para ofun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s rios dirige-se um deles, aperpetuar-se na sociedade de seus iguais.Mas a saudade <strong>do</strong>s vivos e da vida é grande:um outro componente da pessoa tendea rondar as casas da aldeia e asmoradias das roças, à procura <strong>do</strong> que saciesua fome e sua sede e, nesta busca, acaban<strong>do</strong>por expor os parentes aos perigos<strong>do</strong> contágio e da <strong>do</strong>ença. A lembrança eo convívio com a ideia da morte são experiêniasdiárias na apreciação e na conduçãoda vida.To<strong>do</strong> o cuida<strong>do</strong> é pouco: apesar da almacentral localizar-se <strong>no</strong> peito, almas secundáriassituam-se nas extremidades <strong>do</strong>smembros de cada indivíduo. Gestos bruscos,choros prolonga<strong>do</strong>s e altos, irritaçãoou zanga demasiada, falar alto demais...tu<strong>do</strong> pode favorecer a fuga da alma, a perdada vitalidade, <strong>do</strong> sangue, da saúde. Ecologia,dieta, conduta individual e social, atividadesrituais, tu<strong>do</strong> se enfeixa e se articulaem tor<strong>no</strong> de uma teoria que regula as relaçõesentre vivos, sejam eles huma<strong>no</strong>s,animais ou vegetais, e entre vivos e mortos,definin<strong>do</strong> o lugar e a contribuição decada um na constituição deste universo integra<strong>do</strong>,global e u<strong>no</strong>.Desde há 500 a<strong>no</strong>s, não-índios produzemregistros, descrições e análises na tentativade interpretação e compreensão daspráticas sociais (incluídas, aí, as rituais) edas concepções cosmológicas <strong>do</strong>s Tupi--Guarani. Do espanto inicial à sistematizaçãodas informações <strong>do</strong>s cronistas realizada<strong>no</strong> final da década de 40 e primeirosa<strong>no</strong>s da de 50 5 , passan<strong>do</strong> pela catequesejesuítica e pelos episódios dramáticos daConquista, é constante a referência centrala temas como a guerra, o canibalismo,a vingança da morte através de <strong>no</strong>vas guerrase <strong>no</strong>vas mortes e <strong>no</strong>vas vinganças.Em tempos recentes, o amadurecimentoteórico e meto<strong>do</strong>lógico da antropologiacomo disciplina, o acúmulo de da<strong>do</strong>s et<strong>no</strong>gráficosrelativos a sociedades indígenassul-americanas e o reencontro com gruposTupi atuais, contata<strong>do</strong>s na década de 70,quan<strong>do</strong> da abertura da Transamazônica,possibilitaram <strong>no</strong>vas perspectivas 6 .Uma compreensão, agora adequada,destes povos, suas sociedades e suas cosmologiasrevela — apesar da grande diversidadeexistente entre elas, principalmente<strong>no</strong> pla<strong>no</strong> sociológico mas também nasvariações entre suas cosmovisões respectivas— a centralidade da <strong>no</strong>ção de temporalidadecomo eixo sobre o qualconstróem-se <strong>no</strong>ções fundamentais comoa de pessoa e de cosmos, aliada às relaçõesde alteridade que os Tupi-Guaranibuscam sistematicamente situar fora <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínioda sociedade propriamente dita, encarnadas<strong>no</strong>s inimigos, <strong>no</strong>s espíritos, <strong>no</strong>sanimais, <strong>no</strong>s mortos, nas divindades.Não há apenas oposição entre o mesmoe o diverso: antes, há a possibilidadeda superação da oposição e da síntese <strong>do</strong>scontrários como desti<strong>no</strong> possível e deseja<strong>do</strong>da pessoa, que se completa <strong>no</strong> tempoe, mais <strong>do</strong> que isto, <strong>no</strong> devir 7 . Dentreos Tupi atuais, os Waiãpi 8 ilustram, na Exposição"índios <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>", o tema da cosmologiaindígena.Os exemplos, ainda que simplifica<strong>do</strong>se empobreci<strong>do</strong>s pela síntese parcial, apesarde tu<strong>do</strong>, talvez possam sugerir o queum exame mais detalha<strong>do</strong> certamente revelaria:contrastes, variedade de concepções,soluções originais, únicas. Mas, ainda,é possível concebê-las - àsmito-cosmologias indígenas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> ( ena América <strong>do</strong> Sul tropical) - como produtorasde variações sobre certos temas,eleitos por essas populações como centraisna construção de suas sociedades, de seusmun<strong>do</strong>s e de suas maneiras próprias de serelacionarem com a natureza e com o sobrenatural.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!