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Lançamento do livro "História dos índios no Brasil

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cante traço característico. A distância quemedeia o Direito indígena <strong>do</strong> estatal é amesma que medeia o coletivismo <strong>do</strong> individualismo.Daí decorre outra diferençafundamental: o Direito de cada nação indígenaé "estável", porque nasci<strong>do</strong> de umapraxis de consenso social, não conhece instânciade modificação formal, modifica-sena própria praxis; o Direito estatal, ten<strong>do</strong>o legislativo como instância formal de modificação,está em constante alteração.Exatamente esta possibilidade de modificação,esta "instabilidade" <strong>do</strong> Direitobrasileiro é que ganha visibilidade quan<strong>do</strong>o índio se encontra com a sociedade brancae com ela trava os primeiros conhecimentosjurídicos. Esta visão indígena <strong>do</strong> Direitoestatal foi traduzida com poesia eeloquência por Paiaré - parkategê <strong>do</strong> sul<strong>do</strong> Pará - por ocasião de discussões sobrea passagem de uma estrada de ferro paratransporte de minério da Serra de Carajás,na Amazónia, que deveria cortar, comode fato cortou, o território de seu povo:"A lei é uma invenção. Se a lei nãoprotege o direito <strong>do</strong>s índios (sobre suas terras),o branco que invente outra lei". Temrazão Paiaré, o Direito estatal é lei, porquelei é sua fonte, sua matriz e sua legitimidade.E a lei é criada - ou inventada - porum grupo de homens, que teoricamenterepresentam todas as sociedades, mas quenão raras vezes legislam contra os interessesda Nação. De qualquer forma, numasociedade dividida e injusta como a <strong>no</strong>ssa,a lei é uma invenção de uns contra os''outros. O que Paiaré, na sua arguta constataçãoda realidade, desejava é que elafosse a invenção de uns a favor deoutros 6 .São raros, como já dissemos, os estu<strong>do</strong>sdestas diversas expressões jurídicas equase to<strong>do</strong>s genéricos e, consequentemente,pouco profun<strong>do</strong>s, muitas vezes marca<strong>do</strong>smais pelo sentimento de "simpatia poruma das raças que contribuíram para a formação<strong>do</strong> povo brasileiro", como dizia ClóvisBeviláqua, 7 <strong>do</strong> que pelo espírito científico.Por outro la<strong>do</strong>, a simples existênciadestes povos, com sua realidade e direitopróprios, deixa perplexo o mecânico raciocínio<strong>do</strong> Direito Estatal; o conceito de sociedadeindígena lhe é incompatível: comoenquadrar a ideia de território indígenaaos limites individualistas <strong>do</strong> direito de propriedade?Como conter o conceito de povonas restritas concepções de personalidadejurídica privada? Como impor arepresentação-fundamento democrático dasociedade estatal - a grupos huma<strong>no</strong>s cujopoder é exerci<strong>do</strong> por aceitação coletivae necessariamente consensual?Para responder a estas inquietantesquestões, preenchen<strong>do</strong> lacunas perigoramenteabertas, o Direito Estatal se vê nacontingência de criar regras legais capazesde aproximar conceitos, buscar analogias,estabelecer parâmetros que enquadrem asociedade indígena ao desenho de sua lei.São poucos os Esta<strong>do</strong>s lati<strong>no</strong>-america<strong>no</strong>sque já criaram leis para promover este enquadramento;o <strong>Brasil</strong> está entre eles. Porvezes não basta a elaboração da lei, há umadistância entre a decisão legislativa e a execuçãode políticas de acor<strong>do</strong> com a lei vigentee, ainda, a aplicação judicial para soluçãode conflitos. O caso <strong>do</strong> <strong>Brasil</strong> éexemplar. Atualmente, desde 1988, aConstituição da República dedica um capítulopara os índios, reconhecen<strong>do</strong> seusdireitos, suas terras, seus costumes, suaslínguas; já o braço executor <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> negaesses direitos, invade suas terras, desrespeitaseus costumes, omite suas línguas,e o Judiciário ou se cala ou simplesmentenão é obedeci<strong>do</strong>.E dentro deste quadro - analisan<strong>do</strong> erastrean<strong>do</strong> historicamente a evolução <strong>do</strong>direito brasileiro, comparan<strong>do</strong> inclusivecom a-legislação sobre escravos - que sepoderá ter a dimensão das omissões <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>e de seu Direito em relação a estespovos, e a certeza de que estas omissõese as criações de figuras jurídicas para preencheras lacunas não são mais <strong>do</strong> que tentativasde esconder uma realidade da quala classe <strong>do</strong>minante, seu Direito e seu Esta<strong>do</strong>se envergonham.A ma nu missão silenciosaO estu<strong>do</strong> das leis brasileiras sobre a escravidão,especialmente sobre os escravos,é tão interessante quanto revela<strong>do</strong>r das vergonhasque sente o direito em tratar de assuntosque exponham as injustiças da sociedade.

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