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Lançamento do livro "História dos índios no Brasil

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civilização, garantem aos "infesta<strong>do</strong>res" umescondi<strong>do</strong> direito, de difícil aplicação e singularmenteinútil. Esta vergonha <strong>do</strong> DireitoPenal brasileiro de 1940 tem a mesmacor e fundamento da vergonha da lei emrelação aos escravos, <strong>no</strong> século XIX, o temorde mostrar ao mun<strong>do</strong> a realidade nacional,suas mazelas, injustiças e "defeitos".Está presente, porém, neste esconderijo dalei penal a ideia de que os índios se acabarãonum futuro próximo, quan<strong>do</strong> encontrarema alegria de viver na "pacífica, justa,<strong>do</strong>ce e humana" sociedade <strong>do</strong>s brancos,e então o Direito Penal ser-lhes-á aplica<strong>do</strong>em plenitude, e os juristas não se envergonharãomais <strong>no</strong>s congressos internacionais.É transparente neste episódiojurídico a ideia et<strong>no</strong>cêntrica e monista deque o sonho de to<strong>do</strong> índio é deixar de sê--lo. É presente a incompreensão <strong>do</strong> direito<strong>do</strong>s povos indígenas de continuarem aser índios ainda que em contato longo eaté mesmo amistoso com a sociedadebranca.A punição à margem da leiCurioso é que o Decreto 5.484, de 27de junho de 1928, de apenas <strong>do</strong>ze a<strong>no</strong>santes <strong>do</strong> Código Penal, e que regulava a"situação <strong>do</strong>s índios nasci<strong>do</strong>s em territórionacional" tratava da aplicação das penasaos índios que cometessem crime.Não seria verdadeiro afirmar, portanto,que o Direito Penal brasileiro tratava <strong>do</strong>síndios como uma mera referência hipotéticana Exposição de Motivos que apresentao Código de 1940. Na realidade o CódigoPenal teve vergonha de apresentar aforma e os requisitos especiais de punibilidadee aplicação de pena aos índios. Vergonha,que a sinceridade de Nelson Hungria<strong>no</strong>s clareia, de ser coteja<strong>do</strong> com osCódigos de outros países e os estrangeiros<strong>no</strong>tarem que <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> ainda viviam índios"não civiliza<strong>do</strong>s".Como não tratou de índio, o CódigoPenal não revogou o estabeleci<strong>do</strong> <strong>no</strong> Decretode 1928, que, uma espécie de Código<strong>do</strong>s índios, tratava de diversas questões,desde o registro civil até a gestão debens e, <strong>do</strong>s seus 50 artigos, 5 tratam <strong>do</strong>scrimes pratica<strong>do</strong>s por índios. Estabelecia oDecreto que os índios com me<strong>no</strong>s de 5a<strong>no</strong>s de integração que cometessem crimesseriam recolhi<strong>do</strong>s, mediante requisição <strong>do</strong>inspetor de índios, a colónias correcionaisou estabelecimentos industriais disciplinares,pelo tempo que parecesse necessárioao inspetor, nunca superior a cinco a<strong>no</strong>s.Dizia ainda o Decreto que se o autor <strong>do</strong>crime tivesse mais de cinco a<strong>no</strong>s de convíviocom a sociedade envolvente seriaaplicada a lei comum, com as penas reduzidasà metade, nunca deven<strong>do</strong> ser aplicadaprisão celular, que seria sempre substituídapor prisão disciplinar, o quesignificava que o cumprimento da pena sedaria em instituições penais especialmentecriadas para índios.Esta situação gerada, seguramente, pelaboa vontade e humanismo <strong>do</strong>s indigenistasda década de 1920, tor<strong>no</strong>u-se rapidamenteum instrumento de opressão.Foram criadas prisões indígenas e a puniçãoe o cumprimento da pena deixaramde ser controla<strong>do</strong>s pelo Poder Judiciário,de tal forma que a agência indigenista oficial,na época o Serviço de Proteção aoíndio - SPI -, órgão <strong>do</strong> Poder Executivo,passou a exercer a judicatura, apenan<strong>do</strong>segun<strong>do</strong> o critério <strong>do</strong> inspetor e proceden<strong>do</strong>a fiscalização <strong>do</strong> cumprimento da pena,isto é, fiscalizan<strong>do</strong> a si mesmo.Como o Código Penal de 1940 nãotratou <strong>do</strong> assunto, permitiu que essa práticase prolongasse até a década de 60,quan<strong>do</strong> tantos e tão aberrantes atos de corrupção,desman<strong>do</strong>s e injustiças foram cometi<strong>do</strong>spelo SPI, que, sob pressão da sociedadecivil e da comunidade científicanacional e internacional, a então ditaduramilitar houve por bem fechá-lo, e com elealguns instrumentos de visível opressão, comoas prisões indígenas, crian<strong>do</strong>, em 1967,um <strong>no</strong>vo órgão, a FUNAI - Fundação Nacional<strong>do</strong> índio - que vinte a<strong>no</strong>s depois jáestava tão corrupto e desacredita<strong>do</strong> quantoo seu antecessor.O sistema jurídico brasileiro não admitea existência de outros sistemas paralelosque impliquem em jurisdição e aplicaçãode lei fora <strong>do</strong> Poder Judiciário. Entretanto,durante quarenta a<strong>no</strong>s conviveu como sistema punitivo, formas oficiais de puniçãoaos índios, não apenas com leis próprias,mas com um completo sistema penitenciárioespecial, com autoridades e

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