10.07.2015 Views

Lançamento do livro "História dos índios no Brasil

Lançamento do livro "História dos índios no Brasil

Lançamento do livro "História dos índios no Brasil

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

O direito envergonha<strong>do</strong>:o direito e os índios <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>*Carlos Frederico Marés de Souza FilhoIntroduçãoNada é mais dramaticamente pareci<strong>do</strong>com a realidade <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong>s povos,escravos, índios, camponeses, mulheres eoutros segmentos discrimina<strong>do</strong>s da sociedadelati<strong>no</strong>-americana <strong>do</strong> que o conto deKafka, "Diante da Lei". Um homem passaa vida inteira diante da porta da Lei esperan<strong>do</strong>para entrar, sempre há um impedimento,uma ressalva, uma proibição momentânea,uma ameaça, até que o homemmorre. No momento de sua morte, vê queo porteiro fechará a porta e, interrogan<strong>do</strong>a razão <strong>do</strong> fechamento, descobre que aporta estivera aberta somente para ele duranteto<strong>do</strong> o tempo, e já que ele não entrara,não havia mais razão para a portapermanecer aberta.Assim os oprimi<strong>do</strong>s quan<strong>do</strong> chegam àporta da lei encontram um obstáculo, dificuldade,impedimento ou ameaça, mas oEsta<strong>do</strong> e o Direito continuam afirman<strong>do</strong>que a porta está aberta, que a lei faz deto<strong>do</strong>s os homens iguais, que as oportunidades,serviços e possibilidades de intervenção<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> estão sempre presentespara to<strong>do</strong>s, de forma isonômica e cega. Ea sistemática, usual, crónica injustiça da sociedadeé apresentada como exceção, coincidênciaou desventura. O Esta<strong>do</strong> e seu Direitonão conseguem aceitar as diferençassociais e as injustiças que elas engendrame na maior parte das vezes as omitem oumascaram, ajudan<strong>do</strong> em sua perpetuação.Aos olhos da lei a realidade social é homogéneae na sociedade não convivem diferençasprofundas geradas por conflitos deinteresses de ordem económica e social. OSistema Jurídico os transforma em questõespessoais, isola o problema para tentarresolvê-lo em composições de partes,como se elas não tivessem, por sua vez,ligações profundas com outros interessesgera<strong>do</strong>res e mantene<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s mesmosconflitos. O Esta<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> legisla, exe-cuta políticas ou julga, não trata os conflitosde terra, por exemplo, como o choquede interesses de classes, segmentos sociaisou setores da sociedade, mas como o conflitoentre o direito de propriedade <strong>do</strong> fazendeirotal contra o direito subjetivo <strong>do</strong>posseiro qual. Tu<strong>do</strong> fica reduzi<strong>do</strong> a desafetospessoais e a Lei, geral e universal emprincípio, se concretiza apenas <strong>no</strong>s conflitosindividuais, poden<strong>do</strong> ser injusta na aplicação,mas manten<strong>do</strong> sua aura de Justiçana generalidade.Se a distância entre o justo e o legalem matéria de Direito Priva<strong>do</strong>, marca<strong>do</strong>pela hege<strong>no</strong>mia da propriedade, que setransforma em seu parâmetro e paradigma,é claramente verificável apenas surjao conflito entre indivíduos de classes sociaisdiferentes e o Esta<strong>do</strong> seja, através <strong>do</strong>Juízo, chama<strong>do</strong> a compô-lo, <strong>no</strong> Direito Penal,que tem teoricamente o prima<strong>do</strong> daJustiça e a recuperação <strong>do</strong> delinquente comofundamento, as coisas não são assimtão claras, porque a relação não se estabelecediretamente entre desiguais, mas entreo Esta<strong>do</strong> (porta<strong>do</strong>r da Justiça) e o indivíduopresumivelmente i<strong>no</strong>cente. Mas,contraditoriamente, é na aplicação das penasque se pode verificar o profun<strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>de classe <strong>do</strong> Direito, talvez porque,enquanto o Direito Priva<strong>do</strong> é volta<strong>do</strong> paraas relações jurídicas da mi<strong>no</strong>ria da populaçãoque contrata, distrata, discute o património,disputa a herança e buscaindenização, o Direito Penal é cria<strong>do</strong> comoforma de coibir a violência pessoal, nãopouca vezes filha da violência social, intimidan<strong>do</strong>e desestimulan<strong>do</strong> a grande maioriade injustiça<strong>do</strong>s de procurar a justiça porsuas próprias mãos, por isso o Direito Penalé volta<strong>do</strong> para a grande maioria da população,e por ela conheci<strong>do</strong> como instrumentode intimidação. O Direito Priva<strong>do</strong>é o direito <strong>do</strong>s poderosos, o Penal <strong>do</strong>s oprimi<strong>do</strong>s,aquele para garantir seus bens, estepara intimidar ação socialmente re-

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!