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Lançamento do livro "História dos índios no Brasil

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tarem a ser índios, reencontrarem a sua culturaproibida e seus parentes, mas tãosomente homens livres capazes de disputaro salário e aprender um ofício, comoqualquer homem branco pobre. O senti<strong>do</strong>da lei, porém, era tão, somente declararórfãos os índios que estivessem aindaem cativeiro por força daquelas declaraçõesde guerra e, por extensão, de qualquer índioem cativeiro, o que já era proibi<strong>do</strong>, masseguramente pratica<strong>do</strong>.Embora fique claro que a Carta de Leide 27 de outubro de 1831 transformavaem órfãos apenas os índios cativos, não foiassim que a sociedade e o Esta<strong>do</strong> passarama entendê-los. Os Tribunais, nas rarasvezes que se viram na contingência de decidirsobre coisas indígenas, interpretaramextensivamente este dispositivo, passan<strong>do</strong>a considerar que to<strong>do</strong>s os índios não integra<strong>do</strong>s<strong>no</strong> serviço como trabalha<strong>do</strong>res livres,seriam órfãos. É estranho mas perfeitamentecompreensível o raciocínio e acomparação: os índios arranca<strong>do</strong>s de seuterritório, agredi<strong>do</strong>s em sua cultura, violenta<strong>do</strong>sem sua vontade e religião são perfeitamentecomparáveis aos órfãos, comose houvessem perdi<strong>do</strong> os próprios pais, atéque, integra<strong>do</strong>s pelo trabalho como trabalha<strong>do</strong>reslivres, deixassem de ser índios e,portanto, reencontrassem seus pais na sociedade"<strong>do</strong>ce, justa, humana e pacífica"que se lhes oferecia.Abolida a escravatura e proclamada arepública, o Esta<strong>do</strong> brasileiro continuava aaplicar o que a velha Carta de Lei de 1831não dizia: to<strong>do</strong>s os índios deveriam ser reputa<strong>do</strong>scomo órfãos. Textualmente, o SuperiorTribunal de Justiça <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Maranhão,em 25 de outubro de 1898, <strong>no</strong>limiar <strong>do</strong> século XX, afirma: "Os Juízes deórfãos têm atribuições especiais em relaçãoàs pessoas e bens <strong>do</strong>s índios, sen<strong>do</strong>que estes são reputa<strong>do</strong>s como órfãos" (Leide 27 de outubro de 1831). 10Assim, o Direito positivo oitocentista,se bem autoritário, et<strong>no</strong>cêntrico e integracionistaem relação à população indígena,tratava da questão, omitin<strong>do</strong> os índios apenas<strong>no</strong> Código Criminal. Aliás a análisedeste Código Criminal é muito revela<strong>do</strong>raporque, por um la<strong>do</strong>, mostra uma omissãoem relação aos índios, não considerasequer sua "orfandade"; já em relação aosescravos, omiti<strong>do</strong>s totalmente na legislaçãocivil, são trata<strong>do</strong>s na lei criminal. E estranho,mas perfeitamente compreensíveldentro <strong>do</strong> sistema: a lei penal - dedicadaintegralmente aos margina<strong>do</strong>s sociais - nãoregistra referência à mais marginal de todasas populações, os indígenas, porqueou estavam fora da sociedade, não lhes alcançan<strong>do</strong>a ação penal o simples revideguerreiro, ou dentro da sociedade e nãose diferenciavam <strong>do</strong>s pobres marginaliza<strong>do</strong>s.Em relação aos escravos diz tão--somente que as penas de trabalhos força<strong>do</strong>sem galés e a de morte serãosubstuídas pela de açoites, para que o seu<strong>do</strong><strong>no</strong> não sofresse prejuízo; isto é, a direçãoda <strong>no</strong>rma é a proteção da propriedade<strong>do</strong> senhor, não a pessoa <strong>do</strong> apena<strong>do</strong>.O ardil <strong>do</strong> código penal de 1940Quan<strong>do</strong> da elaboração <strong>do</strong> Código Civilde 1916, o legisla<strong>do</strong>r brasileiro resolveuassumir como verdade jurídica aquilo quea lei de 1831 não dissera mas se transformaraem ordem legal: a relativa capacidadecivil <strong>do</strong>s índios, sua mi<strong>no</strong>ridade, sua orfandade.Com efeito, o Código Civilequipara em seu artigo 6? os silvícolas -assim chama os índios - aos pródigos emaiores de 16 e me<strong>no</strong>res de 21 a<strong>no</strong>s, incapazesrelativamente para a prática de certosatos da vida civil. Esclarece que esteregime tutelar fica sujeito a lei especial ecessará na medida em que os índios foremse adaptan<strong>do</strong> à civilização <strong>do</strong> país. EsteCódigo sedimenta juridicamente os preconceitos<strong>do</strong> século anterior de que os índiosestavam destina<strong>do</strong>s a desaparecer submersosna "justa, pacífica, <strong>do</strong>ce e humana"sociedade <strong>do</strong>minante. Tal como El-Rei <strong>no</strong>começo <strong>do</strong> século XIX, a República <strong>do</strong> séculoXX se oferece aos índios como tábuade salvação à sua ig<strong>no</strong>ta existência; somenteque a lei o diz, agora, envergonhadamente,sem a clareza da lei imperial, deixaapenas sugeri<strong>do</strong> que os índios seacabarão um dia.O Código Civil, minucioso e detalhistaem to<strong>do</strong>s os aspectos da vida da sociedadebrasileira se cala, sintomaticamente,em relação às terras indígenas e à personalidadejurídica <strong>do</strong>s grupos e comunidadesindígenas, ainda que trate com desen-

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