Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev
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Dezesseis<br />
É CLARO QUE O ESPEREI. Estava atrasado, saindo <strong>de</strong>pois que as tochas se<br />
apagaram, e se a janela aberta não estivesse aberta, não teria escutado a porta<br />
lateral ranger e não o teria ent<strong>rev</strong>isto caminhar apressado no escuro. Quantas<br />
vezes o seguira em minha imaginação? Era bastante fácil. Conhecia cada passo e<br />
pedra irregular até a Catedral e, ao contrário da maioria das garotas da minha<br />
ida<strong>de</strong>, não tinha medo do escuro. Que mal po<strong>de</strong>ria acontecer a alguém com os<br />
olhos <strong>de</strong> gato como os meus?<br />
Tinha passado o entar<strong>de</strong>cer me atormentando com imagens <strong>de</strong> minha<br />
própria bravura. Tinha permanecido, <strong>de</strong>liberadamente, vestida para não <strong>de</strong>sistir.<br />
Dentro <strong>de</strong> alguns dias, eu estaria presa à vida <strong>de</strong> outra pessoa, em uma casa e<br />
parte da cida<strong>de</strong> das quais não tinha o mapa, e portanto a minha querida liberda<strong>de</strong><br />
noturna teria acabado. No banco do meu lado, estava um dos chapéus <strong>de</strong><br />
Tomaso que eu surrupiara <strong>de</strong> seu quarto <strong>de</strong> vestir. Tinha passado horas<br />
experimentando-o, <strong>de</strong> modo que sabia exatamente como usá-lo <strong>de</strong> maneira que<br />
fosse impossível verem meu rosto. É claro que havia minhas saias, mas podia<br />
escondê-las em uma das capas mais compridas <strong>de</strong> meu pai, e andando rápido no<br />
escuro, só seria vista se me encontrasse com... com o quê? Uma luz? Uma<br />
figura? Um bando <strong>de</strong> homens...? Interrompi os pensamentos. O meu jogo era<br />
elaborado, um pacto que fizera comigo mesma. Se eu ia me casar e ser enterrada<br />
viva, então não <strong>de</strong>veria morrer sem ver um pouco do meu Oriente. Eu <strong>de</strong>via isso<br />
a mim mesma. E se o Diabo estava lá fora, certamente teria pecadores mais<br />
graves para castigar do que uma garota que <strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>cia a seus pais para respirar<br />
o ar noturno e reter uma lembrança da liberda<strong>de</strong>.<br />
Desci a escadaria e atravessei o pátio <strong>de</strong> trás, on<strong>de</strong> a porta dos<br />
empregados dava para a rua lateral. Geralmente, estaria aferrolhada por <strong>de</strong>ntro a<br />
essa hora da noite, mas ele assumiu o risco, <strong>de</strong>ixando-a assim, sem ferro-lho, ao<br />
sair. Se alguém <strong>de</strong>spertasse e <strong>de</strong>scobrisse... Eu podia, percebi, arruinar a sua<br />
vida simplesmente empurrando o ferrolho <strong>de</strong> volta. Em vez disso, saí para seguilo.<br />
Dei um passo para fora. A porta ainda estava aberta atrás <strong>de</strong> mim. Fecheia,<br />
<strong>de</strong>pois empurrei-a para ter certeza <strong>de</strong> que se abriria.<br />
Esperei alguns instantes que meu coração se aquietasse.<br />
Quando me senti mais calma, <strong>de</strong>i meia dúzia <strong>de</strong> passos no escuro. A porta<br />
dissolveu-se no escuro atrás <strong>de</strong> mim. Porém, ao mesmo tempo, meus olhos<br />
começaram a funcionar melhor. Havia uma lua tênue, suficiente para <strong>rev</strong>elar as<br />
pedras do calçamento diretamente à minha frente. Forcei-me a avançar. Quinze,