Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev
Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev
Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
quando o filho <strong>de</strong> um fazen<strong>de</strong>iro tinha sido acometido por febre e erupção <strong>de</strong><br />
bolhas pelo corpo, que se tornaram imediatamente purulentas, e ele,<br />
extremamente agitado. Morreu dois dias <strong>de</strong>pois, quando seu irmão mais novo e<br />
o pa<strong>de</strong>iro vizinho foram infectados. Soube-se que o menino estivera no convento<br />
na semana anterior, para fazer a entrega <strong>de</strong> farinha e legumes. A sugestão foi<br />
que a doença do Diabo teria se originado aí, e que a irmã que acabara <strong>de</strong> morrer<br />
era a sua transmissora. Apesar <strong>de</strong> a Madre Superiora não ter tempo para rumores<br />
ignorantes e ser capaz <strong>de</strong> elaborar a logística da marcha da infecção tão rápido<br />
quanto a mulher do lado, cabia-lhe manter-se em bons termos com o vilarejo, do<br />
qual o convento <strong>de</strong>pendia para muitas coisas, e era inegável o fato <strong>de</strong> que a Irmã<br />
Lucrezia tinha morrido com febre e com muita dor. Se ela fosse uma<br />
transmissora, a crença comum ditava que a pestilência permaneceria nas suas<br />
roupas, escapando, <strong>de</strong>pois, pela terra e voltando a contaminar. Tendo perdido<br />
oito irmãs para uma infecção alguns anos antes, a Reverenda Madre, preocupada<br />
não somente com a reputação do estabelecimento como também com o seu<br />
<strong>de</strong>ver em relação a seu rebanho, com pesar passou por cima do último <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong><br />
Lucrezia e or<strong>de</strong>nou que suas roupas fossem retiradas e queimadas e o corpo<br />
<strong>de</strong>sinfetado antes <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>stinado ao solo sagrado.<br />
O corpo da Irmã Lucrezia ficou estendido sobre a cama. A rigi<strong>de</strong>z da<br />
morte, com o atraso, já infectava seus membros. As duas irmãs trabalharam<br />
nervosamente e rapidamente, usando luvas <strong>de</strong> jardinagem, a única proteção que<br />
o convento podia oferecer contra a contaminação. Tiraram os alfinetes da touca<br />
e a puxaram do pescoço. O cabelo da freira morta estava achatado na cabeça<br />
com o suor, embora sua face permanecesse serena, aveludada como um pêssego,<br />
um lembrete daquela tar<strong>de</strong> na horta <strong>de</strong> ervas. Desabotoaram o hábito nos ombros<br />
e o abriram na frente cortando-o, retirando o material, que o suor do sofrimento<br />
transformara em uma crosta. Foram especialmente cuidadosas com a área ao<br />
redor do tumor, on<strong>de</strong> o hábito e a camisa embaixo tinham se fundido com a pele.<br />
Durante a sua doença, essa parte <strong>de</strong> seu corpo era tão doída que as irmãs, ao<br />
cruzarem com ela no claustro, se afastavam para evitarem até mesmo roçar em<br />
seu corpo e a fazerem gritar. Era estranho vê-la tão silenciosa agora, enquanto,<br />
in<strong>de</strong>licadamente, puxavam com força a meta<strong>de</strong> da elevação <strong>de</strong> pano e pele<br />
ensopados, do tamanho <strong>de</strong> um melão pequeno e mole ao toque. Não se<br />
<strong>de</strong>spregou com facilida<strong>de</strong>. No fim, a Irmã Magdalena, que tinha uma força em<br />
seus <strong>de</strong>dos ossudos que contrariavam a sua ida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>u um puxão violento e o<br />
material se esgarçou do corpo, trazendo junto o que parecia ser o tumor inteiro.<br />
A velha freira ofegou quando a massa <strong>de</strong> tecido <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>u-se em sua<br />
mão enluvada. Olhando <strong>de</strong> volta para o corpo, seu espanto aumentou. On<strong>de</strong> o<br />
tumor tinha estado, a superfície da pele estava curada: nenhum ferimento,<br />
nenhum sangue ou pus, nenhuma supuração. A malignida<strong>de</strong> fatal da Irmã