Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev
Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev
Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
um longo chiado vindo <strong>de</strong> seu peito. Levantou-se e era tão mais baixo do que eu<br />
me lembrava, como se alguma coisa em seu centro tivesse ruído e o resto do<br />
corpo se recurvado para <strong>de</strong>ntro para proteger o buraco.<br />
Abraçamo-nos e nossos ossos chocalharam juntos.<br />
— Sente-se, sente-se, sente-se, minha filha. Temos muito o que conversar.<br />
Mas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> trocarmos gracejos, <strong>de</strong> ele me congratular pela boa-nova e<br />
perguntar como estava meu marido, parece que restou muito pouco a dizer, e<br />
seus olhos começaram a se extraviar, <strong>de</strong> volta às colunas e seus livros.<br />
Esses livros, com sua organização e exatidão, foram durante muitos anos<br />
o seu orgulho e alegria, a evidência escrita <strong>de</strong> nossa riqueza cada vez maior.<br />
Agora, enquanto ele olhava, parecia estar sempre encontrando erros, estalando a<br />
língua irritado ao sublinhá-los pesadamente, esc<strong>rev</strong>inhando mais cifras do lado.<br />
Minha mãe salvou-me um pouco <strong>de</strong>pois.<br />
— O que ele está fazendo? — perguntei enquanto saía sem fazer ruído.<br />
— Está... ele está cuidando <strong>de</strong> seus negócios. Como sempre fez —<br />
replicou rapidamente. — Mas... agora tem uma coisa que <strong>de</strong>via ver.<br />
E, assim, ela me levou à capela.<br />
Era realmente uma visão surpreen<strong>de</strong>nte. On<strong>de</strong> tinha sido pedra fria em<br />
uma luz fria, havia agora dois grupos <strong>de</strong> bancos <strong>de</strong> nogueira, cada um com suas<br />
extremida<strong>de</strong>s esculpidas e polidas. O altar estava no lugar, com um <strong>de</strong>licado<br />
painel da Nativida<strong>de</strong> no centro, iluminado pela seqüência <strong>de</strong> velas gran<strong>de</strong>s em<br />
castiçais <strong>de</strong> prata, seu fulgor dirigindo o nosso olhar para cima, para os afrescos<br />
das pare<strong>de</strong>s.<br />
— Oh!<br />
Minha mãe sorriu, mas enquanto eu andava na direção do altar, ela me<br />
<strong>de</strong>ixou só e, um pouco <strong>de</strong>pois, ouvi as portas se fecharem atrás <strong>de</strong>la. Com<br />
exceção <strong>de</strong> um pequeno pedaço <strong>de</strong> lona na parte inferior, meta<strong>de</strong> dos afrescos da<br />
pare<strong>de</strong> à esquerda estava concluída; completos, coerentes, belos.<br />
— Oh — repeti.<br />
Santa Catarina, em seu martírio, com gravida<strong>de</strong> e serenida<strong>de</strong>, a sua tortura<br />
apenas um estágio passageiro em sua jornada em direção à luz, sua face<br />
iluminada com quase a mesma alegria infantil da primeira Virgem na pare<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
seu quarto.<br />
Meu pai foi retratado à esquerda do altar, minha mãe no lado oposto.<br />
Estavam <strong>de</strong> perfil, ajoelhados, suas roupas sombrias, o olhar <strong>de</strong>voto. Para um<br />
homem que começara a vida na loja <strong>de</strong> um negociante <strong>de</strong> tecidos, era uma<br />
elevação digna, mas era minha mãe que chamava a atenção, mesmo <strong>de</strong> perfil seu<br />
olhar tão intenso e a postura tão alerta.<br />
Minha irmã personificava a figura da imperatriz visitando a santa em sua<br />
cela, sua roupa <strong>de</strong> casamento reproduzida fielmente com uma cor tão viva que