15.04.2013 Views

Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev

Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev

Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

hospital <strong>de</strong> Santo Spirito. Enquanto éramos guiadas pelo labirinto atrás da igreja,<br />

pensei no meu pintor e nas noites passadas registrando as maneiras como a<br />

violência dissecava o corpo humano. Apertei a criança contra mim e an<strong>de</strong>i, eu<br />

mesma <strong>de</strong> novo criança, seguindo minha mãe, com minha criada logo atrás.<br />

O funcionário à porta era um homem ru<strong>de</strong>, seu hálito rançoso <strong>de</strong> cerveja<br />

choca. Segurava um livro improvisado no qual havia colunas <strong>de</strong> números e, em<br />

alguns casos, nomes. A letra era tosca. Minha mãe tomou a iniciativa e contou a<br />

nossa história da mesma maneira como se movia no mundo, com graça e<br />

clareza. As pessoas escutavam minha mãe. Quando terminou, ele levantou-se <strong>de</strong><br />

sua ca<strong>de</strong>ira e, arrastando seus pés, entrou conosco na sala.<br />

Era, como se po<strong>de</strong> imaginar, um campo <strong>de</strong> batalha <strong>de</strong>pois que o exército<br />

se <strong>de</strong>sloca. Havia uma série <strong>de</strong> corpos no chão, envolvidos em voltas <strong>de</strong> pano<br />

encardido. Havia tanto sangue em alguns <strong>de</strong>les que receávamos que ainda<br />

estivessem vivos, jogados ali para que o resto <strong>de</strong> vida escoasse em suas<br />

mortalhas improvisadas.<br />

O cadáver <strong>de</strong> meu marido estava em um catre próximo ao extremo da<br />

sala. Em outro momento da história, seria esperada mais cerimônia com nomes<br />

mais nobres, mas Florença estava com hemorragia <strong>de</strong> morte e qualquer espaço<br />

serviria.<br />

Ficamos do lado <strong>de</strong> seus pés. Ele ergueu os olhos para mim.<br />

— Está pronta?<br />

Dei o bebê para a minha mãe.<br />

Ela sorriu para mim.<br />

— Não fique chocada, minha filha — disse ela. — Há um po<strong>de</strong>r maior em<br />

ação, maior do que nós duas.<br />

Ele curvou-se e puxou a mortalha. Fechei os olhos, e os abri <strong>de</strong> novo para<br />

uma face ensangüentada <strong>de</strong> um homem <strong>de</strong> meia-ida<strong>de</strong> que eu nunca vira antes.<br />

Do meu lado, Erila <strong>de</strong>u um grito:<br />

— Oh, amo! Oh, meu amo, quem po<strong>de</strong> ter feito isto com o senhor? —<br />

Quando me virei, ela se jogou em meus braços, agarrando-se a mim e gritando...<br />

— Oh, minha pobre senhora, não olhe, não olhe, é medonho <strong>de</strong>mais. O que será<br />

<strong>de</strong> nós agora?<br />

Tentei me soltar <strong>de</strong>la, mas ela se grudava que nem uma sanguessuga.<br />

— Está louca? — sussurrei, horrorizada. — Este não é Cristoforo! — Mas<br />

seu lamento continuou. Olhei impotente para minha mãe, que imediatamente se<br />

uniu a nós. O homem, agora, observava intensamente. Sem dúvida, já vira o<br />

bastante <strong>de</strong> mulheres se <strong>de</strong>sesperando, e estava preparado para qualquer coisa.<br />

Minha mãe relanceou os olhos para o corpo, <strong>de</strong>pois para mim. Seu olhar<br />

foi penetrante.<br />

— Oh, minha querida, minha filha querida — disse alto. — Sei como

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!