Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev
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afeminado e arquitetado para arruinar sua vaida<strong>de</strong>? Tinha-me feito compreen<strong>de</strong>r<br />
o significado da mutilação do rapaz na escada do Batistério, no dia do meu<br />
casamento. Em todos os meus anos <strong>de</strong> conflito com Tomaso, nunca nutrira<br />
pensamentos tão cruéis em relação a ele, e me apavorou o fato <strong>de</strong> abrigá-los<br />
agora.<br />
Ele foi o primeiro a me ver, encontrando meus olhos por sobre o ombro <strong>de</strong><br />
meu marido. Tínhamos passado a vida atormentando-nos mutuamente: ele, a<br />
mula com o coice rápido, eu, o mosquito, criando meia dúzia <strong>de</strong> bolhas<br />
vermelhas em um golpe ou outro.<br />
— Olá, irmã — disse ele, e juro que seu triunfo tinha um quê <strong>de</strong> medo.<br />
— Olá, Tomaso. — E percebi que minha voz <strong>de</strong>via estar estranha, pois<br />
mal consegui ter fôlego para proferir seu nome direito.<br />
Meu marido virou-se imediatamente, afastando-se <strong>de</strong> seu amante e se<br />
dirigindo a mim no mesmo movimento maneiroso.<br />
— Minha querida. Bem-vinda <strong>de</strong> volta. Como está sua irmã?<br />
— Gorducha. Em mais <strong>de</strong> um sentido. — Bendito po<strong>de</strong>r da memória.<br />
Seguiram-se alguns passos <strong>de</strong> dança confusos enquanto nos<br />
acomodávamos na sala, Cristoforo em uma ca<strong>de</strong>ira, eu em outra, e Tomaso em<br />
um pequeno canapé do lado: marido, mulher e cunhado, um grupo familiar<br />
encantador da elite mais culta <strong>de</strong> Florença.<br />
— E o bebê?<br />
— Muito bem. — Houve uma pausa. Qual era a gran<strong>de</strong> sabedoria <strong>de</strong><br />
Savonarola quando se tratava <strong>de</strong> mulheres? Depois da obediência, a maior<br />
virtu<strong>de</strong> da mulher é o silêncio. Mas para ser uma esposa <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>, eu teria <strong>de</strong><br />
ter um marido <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>.<br />
— Plautilla sente sua falta — disse eu a Tomaso. — Disse que é o único<br />
que não a visitou.<br />
Ele baixou os olhos.<br />
— Eu sei. Tenho andado ocupado.<br />
Retirando os enfeites supérfluos <strong>de</strong> suas roupas, com certeza, pensei, e<br />
percebi que usava o cinto <strong>de</strong> prata do casamento. Isso foi como um soco em meu<br />
estômago.<br />
— Mas estou surpresa com que saia tanto. Achava que a cida<strong>de</strong> seria<br />
menos atraente para você, nestes tempos.<br />
— Bem... — lançou um rápido olhar a Cristoforo. — Na verda<strong>de</strong>, eu<br />
não... — sua voz foi sumindo com um leve dar <strong>de</strong> ombros, obe<strong>de</strong>cendo às<br />
instruções que claramente recebera para ser indulgente comigo.<br />
O silêncio retornou. Olhei para o meu marido. Ele olhou para mim. Sorri,<br />
mas ele não <strong>de</strong>volveu o sorriso.<br />
— Tomaso contou como estão esvaziando os conventos — disse ele com