Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev
Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev
Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Eu estava segura, mas o restante <strong>de</strong> minha coragem tinha-se <strong>de</strong>sintegrado<br />
sob a tensão. Esperei até ficarem fora <strong>de</strong> vista, virei-me e corri para casa. Com<br />
os passos menos seguros, tropecei nas pedras e quase me estatelei no chão. Por<br />
fim, a fachada rústica do nosso palazzo surgiu à minha frente, com seu santuário<br />
da Virgem dando as boas-vindas a viajantes cansados, e corri o que faltava até a<br />
entrada. Quando a porta fechou-se atrás <strong>de</strong> mim, senti minhas pernas ce<strong>de</strong>rem.<br />
Idiota, garota idiota. Eu tinha percorrido uma <strong>de</strong>zena <strong>de</strong> ruas e voltado correndo<br />
para casa, apavorada com os primeiros sinais <strong>de</strong> vida. Não tinha coragem,<br />
nenhum espírito. Merecia ser trancafiada. O Diabo po<strong>de</strong> levar os impru<strong>de</strong>ntes,<br />
mas os bons certamente morrerão <strong>de</strong> tédio. Tédio e frustração.<br />
Senti as lágrimas chegando, inquietação e fúria misturadas. Levantei-me<br />
do chão e estava na meta<strong>de</strong> do pátio quando ouvi a porta se abrir <strong>de</strong> novo.<br />
Ocultei-me nas sombras. Tinha <strong>de</strong> ser ele. A porta fechou-se, <strong>de</strong>ssa vez, m fazer<br />
ruído, e escutei o som do ferrolho sendo corrido. Por um segundo, houve<br />
silêncio, <strong>de</strong>pois passos abafados atravessando o pátio. Esperei até ele estar quase<br />
diretamente à minha frente. Ele respirava ofegante. Talvez também tivesse<br />
corrido. Se eu ficasse parada, ele talvez passasse por mim me notar. Por que eu<br />
fazia isso? Porque tinha sido tão covar<strong>de</strong>? Para provar a mim mesma que eu não<br />
só falava como agia? Ou quem sabe não era uma grosseria ainda maior: a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ver alguém tão assustado quanto eu?<br />
— Divertiu-se?<br />
Apareci falando. Ele <strong>de</strong>u um pulo com o susto e ouvi alguma coisa cair,<br />
um ruído surdo, como o <strong>de</strong> um objeto duro batendo no chão. Pareceu mais aflito<br />
com a queda disso do que com a minha presença, abaixando-se e tateando<br />
nervosamente o chão à sua volta. Mas eu chegara lá primeiro. Meus <strong>de</strong>dos<br />
fecharam-se sobre a capa áspera <strong>de</strong> um livro. Nossas mãos se encontraram. Ele<br />
retirou a sua instantaneamente como se o contato o tivesse queimado. Empurrei<br />
o livro para ele, que o pegou.<br />
— O que está fazendo aqui — sussurrou.<br />
— Vigiando você.<br />
— Por quê?<br />
— Já disse. Quero a sua ajuda.<br />
— Não posso ajudá-la. Não enten<strong>de</strong>? — E ouvi o medo em sua voz.<br />
— Por quê? O que tem lá fora? O que você viu?<br />
— Nada. Nada. Afaste-se <strong>de</strong> mim.<br />
E empurrou-me para o lado, se levantando e tropeçando. Mas tínhamos<br />
feito barulho <strong>de</strong>mais e uma voz ressoou do escuro, <strong>de</strong> algum lugar próximo ao<br />
pátio, nos paralisando.<br />
— Calem-se, seja lá quem forem. Vão fornicar em outro lugar. Permaneci<br />
agachada no escuro. A voz sumiu e, após alguns segundos, 02ouvi-o se afastar