15.04.2013 Views

Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev

Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev

Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Mas eu não pensaria nelas agora. Primeiro tinha que chegar ao meu<br />

quarto. Estava a meio caminho, no patamar, quando começou a contração<br />

seguinte. Dessa vez, eu estava preparada. Agarrei-me firme na balaustrada <strong>de</strong><br />

pedra e tentei contar, minha respiração saindo em uma série <strong>de</strong> gemidos. A dor<br />

aumentou, chegou ao máximo, se sustentou, <strong>de</strong>pois começou a se reduzir. Você<br />

po<strong>de</strong>, pensei. Você po<strong>de</strong> fazer isso. No entanto, meus gritos <strong>de</strong>vem ter sido mais<br />

altos do que me <strong>de</strong>i conta, porque localizei Tancia no canto do pátio, olhando<br />

para mim com os olhos escancarados <strong>de</strong> medo.<br />

— Tancia... eu...<br />

Não terminei a frase. Aprumei o corpo e senti, <strong>de</strong> repente, uma urgência<br />

incontrolável <strong>de</strong> urinar. Tentei <strong>de</strong>sesperadamente conter minha bexiga, mas a<br />

pressão foi gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>mais. Nós duas ouvimos o estalo — como uma chicotada<br />

na pare<strong>de</strong> — quando algo em mim abriu, <strong>de</strong> súbito, o piso <strong>de</strong> pedra embaixo<br />

ficou coberto <strong>de</strong> água com sangue. Pareciam galões <strong>de</strong> água, esguichando <strong>de</strong><br />

mim, jorrando como uma queda d'água por minhas pernas, espalhando-se pelo<br />

patamar até pingar no pátio lá embaixo. Tancia soltou um ganido <strong>de</strong> pânico e<br />

<strong>de</strong>sapareceu.<br />

De como consegui voltar ao meu quarto não me lembro. A próxima onda<br />

foi tão violenta que fez as lágrimas correrem em meu rosto. Forçou-me a<br />

ajoelhar, minhas mãos na beira da cama. A dor estava em toda parte, em meus<br />

rins, em minhas costas, em minha cabeça. Ela e eu éramos uma só, fundidas,<br />

dominando o pensamento, dominando tudo. Dessa vez, o pico durou para<br />

sempre. Tentei respirar, mas cada arfada saía abrupta e pouco profunda, e<br />

quando a boca <strong>de</strong> aço começou a relaxar seu aperto, eu me ouvi chorando <strong>de</strong><br />

medo.<br />

Sentei-me ereta e me forcei a continuar pensando. Uma vez em minha<br />

vida eu tinha visto o mar, uma praia perto <strong>de</strong> Pisa, on<strong>de</strong> os navios com<br />

carregamentos <strong>de</strong> panos do meu pai atracavam. Eu <strong>de</strong>via ser muito pequena,<br />

pois só me lembro <strong>de</strong> um horizonte infinito e do som das ondas, e <strong>de</strong> como cada<br />

onda tinha vida própria, um músculo encrespando e flexionando, ascen<strong>de</strong>ndo da<br />

barriga do oceano, até se dobrar no alto e <strong>de</strong>spencar estrondosamente, formando<br />

espuma que escoava sobre a areia rumorejante. Meu pai contou-me, nesse dia,<br />

como ainda muito jovem estava em um navio que naufragou perto do litoral, e<br />

como apren<strong>de</strong>u, ao nadar para a costa, para se salvar, a usar as ondas, erguendose<br />

no topo <strong>de</strong> cada uma e movendo-se com ela, e como, quando a perdia, era<br />

engolfado, engolindo água até temer se afogar.<br />

Eu sabia que agora eu também nadava para salvar a minha vida. Só que<br />

nesse mar, as ondas eram dores, cada uma mais violenta do que a outra, e a<br />

minha única esperança era conduzi-las à terra firme. Ou também eu seria<br />

engolfada e me afogaria. Quando a onda seguinte cresceu, lá longe no mar,

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!