Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev
Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev
Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Quarenta<br />
JÁ ANOITECIA QUANDO PARTIMOS DE VOLTA para casa. Maurizio<br />
insistiu para que ficássemos — acho que estava, <strong>de</strong> certa maneira, assustado<br />
com o prospecto <strong>de</strong> lidar com a sua mulher mudada —, mas nós duas queríamos<br />
estar em nossa casa e recusamos polidamente.<br />
As ruas estavam diferentes da noite em que levamos o pintor para casa.<br />
Chuviscava e o frio fazia o escuro parecer mais profundo. Mas não se tratava só<br />
da estação. A própria atmosfera tinha mudado. Nas últimas semanas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />
excomunhão, uma oposição insinuava-se. Com o po<strong>de</strong>r do Papa por trás, os<br />
partidários dos Medici sentiam-se fortes o bastante para se aventurarem a<br />
aparecer em público, e grupos <strong>de</strong> rapazes cujas famílias lucrariam com a<br />
mudança <strong>de</strong> governo tinham começado a aparecer nas ruas. Houve, até mesmo,<br />
um embate estranho entre eles e os Anjos. Disseram que tinham sido eles os<br />
responsáveis pelo inci<strong>de</strong>nte na Catedral, quando alguém tinha passado gordura<br />
animal no púlpito na noite anterior, antes <strong>de</strong> Savonarola falar. Depois, durante<br />
seu sermão, uma gran<strong>de</strong> arca foi jogada sobre a nave, espatifando-se no chão <strong>de</strong><br />
pedra e causando pânico na congregação. Pela primeira vez, as forças dos<br />
dissi<strong>de</strong>ntes se <strong>rev</strong>elaram mais altas do que a sua voz.<br />
No caminho <strong>de</strong> volta da casa <strong>de</strong> minha irmã, tínhamos <strong>de</strong> passar pela<br />
gran<strong>de</strong> fachada <strong>de</strong> pedra do Palácio Medici, agora entabuada e saqueada, cruzar<br />
para o sul do Batistério e, <strong>de</strong>pois, para o oeste, na Via Porta Rossa. A estrada<br />
estava vazia, porém localizei mais adiante a figura corpulenta <strong>de</strong> um fra<strong>de</strong><br />
dominicano surgindo sorrateiramente do escuro <strong>de</strong> uma das travessas. Seu capuz<br />
estava abaixado, suas mãos juntas <strong>de</strong>ntro das mangas, e o marrom <strong>de</strong> seu hábito<br />
confundia-o com o escuro. Quando estávamos mais perto, agitou os braços,<br />
fazendo sinal para pararmos. Preparamo-nos para um interrogatório.<br />
— Boa noite, filhas <strong>de</strong> Deus.<br />
Baixamos a cabeça em uma <strong>rev</strong>erência.<br />
— É tar<strong>de</strong> para estarem nas ruas, boas irmãs. Estou certo que sabem que<br />
tal transgressão é proibida por nosso nobre Savonarola, Estão sozinhas?<br />
— Como nos vê, Padre. Mas estamos em uma missão misericordiosa —<br />
disse Erila rapidamente. — A irmã <strong>de</strong> minha ama per<strong>de</strong>u seu bebê para a peste.<br />
Fomos levar-lhe conforto e preces.<br />
— Nesse caso é uma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>cida por generosida<strong>de</strong> — murmurou<br />
ele, seu rosto ainda oculto por seu capuz, — E Deus incumbiu-lhes, agora, <strong>de</strong><br />
outra missão misericordiosa. Há uma mulher ferida perto daqui. Encontrei-a à<br />
porta <strong>de</strong> uma igreja. Preciso <strong>de</strong> ajuda para levá-la a um hospital.