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Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev

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sorriu largo para mim. — Minha mãe costumava dizer que, na nossa terra, havia<br />

<strong>de</strong>uses bastante para as mulheres terem pelo menos um do seu lado, enquanto a<br />

sua religião tem três em um, e todos são homens. Até mesmo o pássaro.<br />

E foi uma maneira tão ir<strong>rev</strong>erente <strong>de</strong> <strong>de</strong>sc<strong>rev</strong>er o Espírito Santo que me vi<br />

pren<strong>de</strong>ndo o riso.<br />

— Acredito que ela não falasse essas blasfêmias em público.<br />

Ela <strong>de</strong>u <strong>de</strong> ombros.<br />

— E se falasse, quem se importaria? Esquece-se <strong>de</strong> que, segundo as leis<br />

da escravatura, ela não tinha alma a ser salva.<br />

— E então? Ela morreu pagã?<br />

— Ela morreu no cativeiro. Isso era tudo o que tinha importância para ela.<br />

— Mas você vai à igreja, Erila — disse eu. — Sabe as orações tanto<br />

quanto eu. Está me dizendo que nunca acreditou?<br />

Ela baixou os olhos.<br />

— Cresci com outra língua, sob outro sol — replicou. — Acredito no que<br />

preciso acreditar para sob<strong>rev</strong>iver.<br />

— E quando for livre? Isso mudará as coisas?<br />

— Falaremos disso quando acontecer.<br />

Embora nós duas soubéssemos que estar do meu lado contra ele não era a<br />

maneira <strong>de</strong> acelerar a liberda<strong>de</strong>.<br />

— Bem — disse eu —, acho que quaisquer que sejam os segredos em seu<br />

coração, Deus os verá e saberá que é uma boa pessoa, e a julgará com carinho.<br />

Ela olhou para mim.<br />

— E que Deus é esse? O seu ou o do monge?<br />

E ela tinha razão. Quando eu era criança, tudo parecia tão simples. Tinha<br />

havido um Deus, que, apesar <strong>de</strong> ter a voz <strong>de</strong> um trovão quando com raiva,<br />

também tinha amor suficiente para me aquecer à noite quando eu lhe falava<br />

diretamente. Ou assim me parecia. E quanto mais eu aprendia e mais complexo<br />

e extraordinário o mundo se tornava, mais profunda a Sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aceitar<br />

meu conhecimento e se regozijar comigo. Pois qualquer que fosse a realização<br />

do homem, vinha, antes <strong>de</strong> mais nada, a Dele. Mas isso <strong>de</strong>ixara <strong>de</strong> parecer<br />

verda<strong>de</strong>iro. Agora, as maiores realizações do homem pareciam estar em<br />

oposição direta a Deus, ou a esse Deus, o que agora governava Florença. Esse<br />

Deus era tão obcecado pelo Diabo que parecia não ter tempo para a beleza ou<br />

maravilha, e todo o nosso conhecimento e arte estavam con<strong>de</strong>nados como<br />

simplesmente outro lugar on<strong>de</strong> o mal se escon<strong>de</strong>r. Portanto eu não mais sabia<br />

que Deus era o verda<strong>de</strong>iro: somente o que falava mais alto.<br />

— Tudo o que sei é que não quero viver com um Deus que a man<strong>de</strong>, ou<br />

mesmo meu marido, para o inferno sem escutar primeiro a sua versão da história<br />

— disse eu calmamente.

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