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Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev

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come em seu quarto e não fala com ninguém. Mas Maria diz que o viu andando<br />

<strong>de</strong> lá para cá no pátio, no meio da noite.<br />

E <strong>de</strong> tar<strong>de</strong>. Ela soltou meu cabelo e fechou as cortinas para que eu<br />

<strong>de</strong>scanse, e está para sair do quarto quando se vira e olha diretamente para mim.<br />

— Nós duas sabemos que você está proibida <strong>de</strong> visitá-lo, certo?<br />

Confirmo com um movimento da cabeça, meus olhos na ma<strong>de</strong>ira<br />

entalhada da armação da cama: uma rosa com tantas pétalas quanto minhas<br />

pequenas mentiras. Há uma pausa na qual eu gostaria <strong>de</strong> pensar que ela encara<br />

minha <strong>de</strong>sobediência com simpatia.<br />

— Estarei <strong>de</strong> volta para acordá-la em duas horas. Descanse bem.<br />

Espero até o sol aquietar a casa e então <strong>de</strong>sço furtivamente a escadaria e<br />

atravesso para o pátio dos fundos. O calor já a<strong>de</strong>re às pedras e a sua porta está<br />

aberta, supostamente para <strong>de</strong>ixar entrar alguma brisa. Atravesso, em silêncio, o<br />

pátio crestado e entro.<br />

O interior está obscurecido, os dardos da luz do dia tecendo partículas <strong>de</strong><br />

pó no ar. É um pequeno cômodo melancólico com apenas uma mesa e ca<strong>de</strong>ira e<br />

uma série <strong>de</strong> vasilhas em um canto, e uma porta entreaberta que se conecta com<br />

uma câmara interna menor. Abro mais a porta. A escuridão é profunda e meus<br />

ouvidos agem antes <strong>de</strong> meus olhos. A sua respiração é longa e regular. Ele está<br />

<strong>de</strong>itado sobre um catre do lado da janela, a sua mão largada sobre papéis<br />

espalhados. Os únicos homens que vi dormindo são meus irmãos e seu ronco é<br />

<strong>de</strong>sarmonioso. A <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za <strong>de</strong>ssa respiração me perturba. O meu estômago se<br />

aperta com o som, fazendo me sentir a intrusa que sou e fecho a porta atrás <strong>de</strong><br />

mim.<br />

Em contraste, o outro cômodo agora está mais claro. Em cima da mesa,<br />

está uma série <strong>de</strong> papéis amassados e rasgados: <strong>de</strong>senhos da capela extraídos das<br />

plantas dos construtores, rasgados e sujos com marcas <strong>de</strong> alvenaria. Do lado,<br />

pen<strong>de</strong> um crucifixo <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, esculpido grosseiramente, mas que causa<br />

impressão, com o corpo <strong>de</strong> Cristo caindo tão pesadamente da cruz que se sente o<br />

peso <strong>de</strong> sua carne pen<strong>de</strong>ndo dos pregos. Embaixo, alguns esboços, mas quando<br />

os pego, a pare<strong>de</strong> em frente chama minha atenção. Duas figuras, pela meta<strong>de</strong>: à<br />

esquerda, um anjo esguio, asas <strong>de</strong> penas leves como a fumaça ascen<strong>de</strong>ndo em<br />

ondas atrás <strong>de</strong>le, e do outro lado uma Madona, seu corpo artificialmente alto e<br />

esguio, flutuando espectral-mente livre, seus pés bem acima do solo. Aproximome<br />

para olhar melhor. O chão está espesso com tocos <strong>de</strong> velas enfiados em<br />

poças <strong>de</strong> cera <strong>de</strong>rretida. Será que dorme durante o dia e trabalha à noite? Isso<br />

talvez explique a figura suavizada <strong>de</strong> Maria, seu corpo esten<strong>de</strong>ndo-se na luz<br />

bruxuleante <strong>de</strong> uma vela. Mas ele teve luz suficiente para avivar sua face. Sua<br />

aparência é do Norte, seu cabelo bem puxado para trás para mostrar uma testa<br />

larga, <strong>de</strong> modo que a sua cabeça me lembra um ovo pálido perfeitamente

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