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Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev

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Ando até a beira da luz. O clarão das velas lança sombras em sua face e<br />

seus olhos cintilam, um verda<strong>de</strong>iro gato no escuro. Nenhum <strong>de</strong> nós dois está<br />

vestido apropriadamente. Ele está sem túnica, a camisa <strong>de</strong> baixo aberta, <strong>de</strong> modo<br />

que posso ver a aresta <strong>de</strong> sua clavícula e a pele macia embaixo, pérola brilhante<br />

na luz <strong>de</strong> vela. Sou uma figura <strong>de</strong>sajeitada e paralisada em uma camisola<br />

amassada, o cabelo solto, caindo nas costas. O mesmo cheiro rançoso <strong>de</strong> que me<br />

lembro da sessão para o retrato pesa no ar à nossa volta. Exceto que agora sei <strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> vem. Como meu irmão o chamou? Fedor <strong>de</strong> xota barata? Mas se Erila tem<br />

razão, como um homem com tanto medo <strong>de</strong> mulheres po<strong>de</strong> sentir tal atração? E<br />

se ele veio aqui para se confessar?<br />

— Vi a luz da vela do corredor. O que está fazendo?<br />

— Estou trabalhando — fala rispidamente.<br />

Agora, atrás <strong>de</strong>le, posso ver o cânone preso na pare<strong>de</strong> leste do altar, um<br />

<strong>de</strong>senho em tamanho natural do afresco, com um pequeno esboço, <strong>de</strong> modo que<br />

possa ser transferido para a pare<strong>de</strong> em carvão. Com o que tanto sei em teoria ele,<br />

agora, está, <strong>de</strong> fato, familiarizado. Seu novo conhecimento me dá vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

chorar. Sei que não <strong>de</strong>via estar aqui. Seja ele libertino ou não, se somos<br />

encontrados juntos, nossas vidas serão separadas para sempre. Mas a minha<br />

fome e a minha curiosida<strong>de</strong> superam meu medo e passo por ele para melhor ver<br />

o <strong>de</strong>senho.<br />

Ainda posso vê-lo agora: a glória <strong>de</strong> Florença evocada em cem traços<br />

hábeis a bico-<strong>de</strong>-pena, no segundo plano, dois grupos <strong>de</strong> pessoas, cada grupo em<br />

um lado, olhando para baixo, para uma maça no chão sobre a qual está o corpo<br />

<strong>de</strong> uma garota. Esses espectadores são maravilhosos; homens e mulheres reais<br />

da cida<strong>de</strong>, suas personalida<strong>de</strong>s em seus rostos, ida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za, serenida<strong>de</strong>,<br />

obstinação sucessivamente. A sua pena etérea <strong>de</strong>sceu à terra. Mas a sua jornada<br />

é perceptível na garota. Ela atrai nosso olhar imediatamente. Não somente<br />

porque é o ponto <strong>de</strong> fuga na composição, mas por causa <strong>de</strong> sua extrema<br />

fragilida<strong>de</strong>. Com as obscenida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Tomaso zunindo em minha cabeça, não<br />

consigo evitar imaginar on<strong>de</strong> ele encontrou o mo<strong>de</strong>lo. Talvez só as procure para<br />

pintá-las. Existiam prostitutas tão jovens? Que ela é uma garota ainda, e não<br />

uma mulher adulta, é óbvio; sob sua camisola, po<strong>de</strong>-se perceber seus seios<br />

brotando, e há uma angularida<strong>de</strong> canhestra em sua constituição física, como se a<br />

feminilida<strong>de</strong> estivesse chegando cedo <strong>de</strong>mais. Mas o mais impressionante em<br />

relação ao seu corpo é a sua completa inércia...<br />

— Oh. — E estou falando antes <strong>de</strong> dar a mim mesma permissão. —<br />

Apren<strong>de</strong>u um bocado em nossa cida<strong>de</strong>. Como faz isto? Como eu posso saber<br />

que ela está morta? Quando olho para ela, isso está tão claro. Mas quais são as<br />

linhas que me dizem isso? Mostre-me. Sempre que <strong>de</strong>senho corpos, não consigo<br />

distinguir entre sono e morte. Várias vezes parecem simplesmente <strong>de</strong>spertos

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