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Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev

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aprovado a humilda<strong>de</strong> em minha voz.<br />

Fico bem quieta, os olhos baixos, esperando. Percebo o cartão <strong>de</strong>slizar<br />

para fora da mesa e um lápis ser pego do meu lado. Quando ouço seu som na<br />

página, arrisco erguer os olhos. Só consigo vê-lo <strong>de</strong> relance, mas é o bastante<br />

para observá-lo tomar forma: <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> minúsculos traçados fluidos<br />

transbordando sobre a página, sem tempo para pensar ou refletir, sem respirar<br />

entre o ver e o fazer. É como se ele estivesse lendo minhas mãos por baixo <strong>de</strong><br />

minha pele, construindo a imagem pelo avesso.<br />

Deixo-o trabalhar por alguns instantes. O silêncio entre nós parece, agora,<br />

mais <strong>de</strong>scontraído.<br />

— Mamãe disse que você visitou nossas igrejas. — Ele assentiu com um<br />

movimento <strong>de</strong> cabeça sutil. — De que afrescos gostou mais?<br />

A mão pára. Observo seu rosto.<br />

— Santa Maria Novella. A Vida <strong>de</strong> João Batista — diz com firmeza.<br />

— Ghirlandaio. Oh, sim, Capella Maggiore é uma das maravilhas da<br />

cida<strong>de</strong>.<br />

Ele faz uma pausa.<br />

— E... <strong>de</strong> outra capela na outra margem do rio.<br />

— Santo Spirito? Santa Maria <strong>de</strong>l Carmine?<br />

Ele confirma, com a cabeça, o segundo nome. É claro. A Capela <strong>de</strong><br />

Brancacci no convento das carmelitas. Minha mãe orientou-o bem, sem dúvida<br />

usando suas relações e o status <strong>de</strong>le como monge leigo para lhe conseguir<br />

acesso a áreas geralmente esquecidas.<br />

— Os afrescos da vida <strong>de</strong> São Pedro. Oh, eles são muito consi<strong>de</strong>rados<br />

aqui. Masaccio morreu antes <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r concluí-los, sabe. Ele tinha vinte e sete<br />

anos. — Percebo que esse fato lhe causa impressão. — Fui levada lá uma vez,<br />

quando era criança, mas mal me lembro. Do que mais gostou?<br />

Ele franze o cenho como se a pergunta fosse difícil <strong>de</strong>mais.<br />

— Há duas cenas do Jardim do É<strong>de</strong>n. Na segunda, quando são expulsos,<br />

dão e Eva estão chorando... não, mais... estão gemendo, enquanto são banidos.<br />

Nunca tinha visto uma tristeza assim pela perda da graça <strong>de</strong> Deus.<br />

— E o <strong>de</strong> antes da Queda? Estão tão alegres quanto estão tristes <strong>de</strong>pois?<br />

Ele saco<strong>de</strong> a cabeça.<br />

— A alegria não é tão forte. Veio da mão <strong>de</strong> outro pintor. E a serpente<br />

pen<strong>de</strong>ndo da árvore tem o rosto <strong>de</strong> uma mulher.<br />

— Oh, sim, sim. — Balanço a cabeça, nossos olhos se encontrando, e por<br />

enquanto, ele está interessado <strong>de</strong>mais para <strong>de</strong>sviá-los. — Minha mãe me contou.<br />

Embora não exista nenhuma evidência nas escrituras para tal representação.<br />

Mas a menção do Diabo em mulher o faz retrair-se <strong>de</strong> novo e ficar em<br />

silêncio. Os riscos recomeçam. Relanceio os olhos para o cartão. De on<strong>de</strong> teria

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