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Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev

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— Mesmo? — sustentou meu olhar. — Sou o pai <strong>de</strong> seu filho?<br />

Respirei fundo. Não havia como recuar agora.<br />

— Não sei.<br />

Sustentou meu olhar por um momento, <strong>de</strong>pois pôs o livro sobre a mesa e<br />

se levantou.<br />

— Bem, obrigado, pelo menos por sua honestida<strong>de</strong>.<br />

— Cristoforo... Não é o que está pensando...<br />

— Não estou pensando nada — disse ele, com frieza. — O nosso trato foi<br />

um filho. As condições, me lembro, diziam mais respeito a discrição do que a<br />

fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>. A culpa é do casamento. Eu <strong>de</strong>veria ter sabido pelo passado <strong>de</strong> sua<br />

mãe. Agora, com licença, tenho negócios a tratar.<br />

— O que quer dizer com o passado <strong>de</strong> minha mãe? — mas ele já se dirigia<br />

à porta. — Não. Não vá, Cristoforo, por favor. Isso tampouco é verda<strong>de</strong>. —<br />

Interrompi-me. O que podia lhe dizer? Que palavras po<strong>de</strong>riam transmitir afeição<br />

assim como hostilida<strong>de</strong>? —Tem <strong>de</strong> saber que sentimos... — senti, lá no fundo, o<br />

cinto apertar <strong>de</strong> novo, mais forte ainda <strong>de</strong>ssa vez. Precisaria <strong>de</strong> todo o ar para a<br />

dor. — Ai... O bebê... Por favor, imploro que fique... só até Erila retornar. Não<br />

posso fazer isso sozinha.<br />

Ele olhou para mim. Talvez tenha visto simplesmente mais uma mentira.<br />

Ou talvez meu corpo, que lhe causara tanta aversão quando estava intacto, agora<br />

lhe oferecesse somente o prospecto <strong>de</strong> sangue.<br />

— Chamarei alguém — disse ele, virando-se e saindo.<br />

Quando a porta se fechou atrás <strong>de</strong>le, a dor foi gritante, um anel <strong>de</strong><br />

músculo <strong>de</strong> aço sendo amassado. Pensei na serpente no jardim, sussurrando no<br />

ouvido <strong>de</strong> Eva, e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ela sucumbir, imaginei-a se enrolando em volta do<br />

abdômen <strong>de</strong>la e apertando, apertando, até um feto <strong>de</strong>formado escorregar <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la. E, assim, pecado e agonia nasciam juntos. Dessa vez me curvei e<br />

tive <strong>de</strong> me apoiar na pele <strong>de</strong> pedra <strong>de</strong> Baco, até o espasmo passar. Foi mais<br />

longo, mais fundo. Contei vinte, <strong>de</strong>pois trinta. Só em trinta e cinco começou a<br />

diminuir. Se o bebê estava cumprindo seu lado do trato, Savonarola já <strong>de</strong>via ter<br />

sido <strong>de</strong>tido.<br />

É claro que eu tinha ouvido histórias <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> parto. Que mulher<br />

grávida <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Eva não ouviu? Sabia que começava com uma série <strong>de</strong> dores<br />

rítmicas que iam aumentando, como a entrada do útero se alargava para permitir<br />

a saída do bebê. Mas se usasse a respiração e controlasse os nervos, acharia<br />

como superá-las, supondo que não durassem para sempre. Depois, quando a<br />

cabeça do bebê começasse a forçar a passagem, e nesse ponto tudo o que se<br />

podia fazer era empurrar e rezar para que Deus tivesse nos dado um corpo que<br />

não se esgarçasse em pedaços, como tinha acontecido com a minha tia e minha<br />

mãe antes <strong>de</strong> mim.

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