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Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev

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<strong>de</strong>lineado. Ela está com os olhos arregalados na direção do anjo e sinto, nela,<br />

uma excitação nervosa, como uma criança que tivesse recebido um presente e<br />

não conseguisse enten<strong>de</strong>r perfeitamente a sua boa sorte. Apesar <strong>de</strong> não se<br />

mostrar tão segura com o mensageiro <strong>de</strong> Deus, há uma tal alegria em sua<br />

atenção que é quase contagiosa. Faz-me pensar em um esboço que estou<br />

trabalhando, da Anunciação, e meu rosto se ruboriza <strong>de</strong> vergonha diante da<br />

minha inépcia.<br />

O barulho é mais como um resmungo do que quaisquer palavras. Ele <strong>de</strong>ve<br />

ter-se levantado da cama silenciosamente, pois quando me viro, ele está em pé à<br />

porta. O que me lembro <strong>de</strong>sse momento? O seu corpo é longo e magricela, sua<br />

camisa está amarrotada e rasgada. O seu rosto é largo sob um emaranhado <strong>de</strong><br />

cabelo preto comprido, e ele é mais alto do que me lembro da primeira noite, e,<br />

<strong>de</strong> certa maneira, mais selvagem. Ele está imóvel, sonolento, e seu corpo tem o<br />

cheiro forte <strong>de</strong> suor seco. Estou acostumada a viver em uma casa com o ar<br />

perfumado <strong>de</strong> rosas e flor <strong>de</strong> laranjeira. Ele cheira a rua. Realmente acho, até<br />

esse momento, que acreditava que os artistas vinham, <strong>de</strong> certa forma,<br />

diretamente <strong>de</strong> Deus, e, portanto, tinham mais do espírito e menos <strong>de</strong> homem.<br />

O choque <strong>de</strong> sua condição física varre qualquer coragem que me restava.<br />

Ele está em pé, piscando por causa da luz, e, então, <strong>de</strong> repente, cambaleia na<br />

minha direção, arrancando os papéis da minha mão.<br />

— Como se at<strong>rev</strong>e?<br />

— Sou a filha do seu protetor, Paolo Cecchi — grito quando ele me<br />

empurra para o lado.<br />

Ele parece não escutar. Corre para a mesa, pegando os esboços restantes,<br />

murmurando sem parar:<br />

— Noli tangere... noli tangere.<br />

É claro. Há um fato que meu pai esqueceu <strong>de</strong> nos contar. O nosso pintor<br />

cresceu entre monges e, enquanto seus olhos po<strong>de</strong>m atuar aqui, seus ouvidos<br />

não.<br />

— Não toquei em nada — vocifero aterrorizada. — Só estava olhando. E<br />

se quer ser aceito aqui, terá <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r a falar a nossa língua. Latim é a língua<br />

<strong>de</strong> padres e eruditos, não <strong>de</strong> pintores.<br />

Minha resposta incisiva, ou talvez a força do meu latim fluente, cala-o.<br />

Ele fica paralisado, o corpo tremendo. É difícil saber qual <strong>de</strong> nós dois está mais<br />

apavorado. Eu teria fugido se não fosse o fato <strong>de</strong> que, no outro lado do pátio, vi<br />

a criada <strong>de</strong> quarto <strong>de</strong> minha mãe saindo da <strong>de</strong>spensa. Tenho aliados nos<br />

aposentos dos criados, mas também tenho inimigos e Angélica há muito tempo<br />

tem dado provas <strong>de</strong> lealda<strong>de</strong>. Se sou <strong>de</strong>scoberta é impossível imaginar o ultraje<br />

que causará na casa.<br />

— Po<strong>de</strong> estar certo que não danifiquei seus <strong>de</strong>senhos — digo

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