15.04.2013 Views

Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev

Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev

Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Dez<br />

MINHA MÃE CHEGOU EM CASA ANTES <strong>de</strong> qualquer um <strong>de</strong> nós termos<br />

levantado. Ela e meu pai comeram a portas fechadas. Às <strong>de</strong>z horas, Erila me<br />

acordou para dizer que eu era chamada em seu gabinete. Quando viu o sangue,<br />

me lançou um sorriso malicioso, mudou os lençóis e me trouxe pano para<br />

colocar <strong>de</strong>ntro da roupa <strong>de</strong> baixo.<br />

— Nem uma palavra — eu disse. — Enten<strong>de</strong>u? Nem uma palavra até eu<br />

mandar.<br />

— Então é melhor que seja logo. Maria vai <strong>de</strong>scobrir pelo cheiro a<br />

qualquer momento.<br />

Erila vestiu-me rapidamente e me apresentei. Na mesa <strong>de</strong> jantar, encontrei<br />

Luca, os olhos congestionados, se empanturrando <strong>de</strong> pão e geléia. Estava<br />

nauseada <strong>de</strong>mais para comer. Ele me olhou carrancudo, eu o olhei carrancuda.<br />

Meus pais estavam esperando. Tomaso chegou alguns minutos <strong>de</strong>pois. Apesar<br />

<strong>de</strong> ter trocado as roupas, estava com a cara <strong>de</strong> quem não tinha se <strong>de</strong>itado.<br />

O gabinete <strong>de</strong> meu pai ficava no fundo <strong>de</strong> seu mostruário do lado do<br />

palazzo, aon<strong>de</strong> as mulheres da cida<strong>de</strong> levavam seus costureiros para escolher os<br />

tecidos lançados recentemente. O lugar cheirava a cânfora e outros sais<br />

suspensos em incensórios para espantar as traças, e a fragrância impregnava sua<br />

sala. Essas áreas eram, geralmente, proibidas a nós, crianças, principalmente a<br />

Plautilla e a mim, e é claro que justamente isso fazia com que eu gostasse mais<br />

<strong>de</strong>las. Do pequeno escritório forrado <strong>de</strong> pergaminhos, meu pai dirigia um<br />

pequeno império <strong>de</strong> comércio por toda a Europa e partes do Oriente. Além <strong>de</strong> lã<br />

e algodão da Inglaterra, Espanha e África, ele importava muitas das tintas <strong>de</strong><br />

diversas cores; cinabre e realgar do Mar Vermelho, cochinilha e oricello do<br />

Mediterrâneo, noz-<strong>de</strong>-galha dos Bálcãs e, do Mar Negro, pedra-ume para fixálas.<br />

Quando o pano ficava pronto, as peças <strong>de</strong> fazenda que não se a<strong>de</strong>quavam à<br />

moda florentina voltavam aos navios para alimentarem os mercados suntuosos<br />

nos países <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vieram. Quando hoje me recordo, acho que meu pai vivia<br />

com o peso do mundo em seus ombros, pois apesar <strong>de</strong> prosperar, sei que havia<br />

momentos em que as notícias não eram boas; quando a perda <strong>de</strong> um navio em<br />

tormentas ou pirataria chegava à sua sala à noite, e minha mãe nos fazia andar<br />

na ponta dos pés no dia seguinte para não acordá-lo. Certamente, em minhas<br />

lembranças, ele sempre está com seus livros-razões ou cartas, contabilizando as<br />

colunas <strong>de</strong> lucro e prejuízo, e enviando comunicados aos mercadores, agentes e

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!