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Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev

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momento, ela virou a cabeça em direção à rua e tenho certeza <strong>de</strong> que me viu<br />

olhando. Sorriu e pareceu tão... bem, tão segura <strong>de</strong> si... Só sei que me senti tão<br />

excitada e perturbada que tive <strong>de</strong> <strong>de</strong>sviar o olhar. Mais tar<strong>de</strong> pensei em sua<br />

beleza palpável. Se Platão tivesse razão, então como seria possível uma mulher<br />

sem nenhuma virtu<strong>de</strong> ter tal aparência? A amante <strong>de</strong> Filippo Lippi pelo menos<br />

tinha sido uma freira que servia Deus quando foi chamada para ser a sua<br />

Madona. E, <strong>de</strong> certa maneira, continuou servindo a Deus <strong>de</strong>pois, pois a sua<br />

imagem convidava os outros rezar. Oh, ela era linda. Seu rosto iluminou <strong>de</strong>zenas<br />

<strong>de</strong> outros quadros <strong>de</strong>le: olhos claros, serenos, assumindo o seu fardo com<br />

gratidão e graça. Eu gostava mais <strong>de</strong>la do que da Madona <strong>de</strong> Botticelli. Embora<br />

Fra Filippo tivesse sido seu professor, ele tomara uma mo<strong>de</strong>lo diferente, uma<br />

mulher que todos sabiam ser a amante <strong>de</strong> Giuliano <strong>de</strong> Medici. Depois <strong>de</strong><br />

conhecer seu rosto, o víamos em toda parte: em suas ninfas, seus anjos, suas<br />

heroínas clássicas, até mesmo em suas santas. A Madona <strong>de</strong> Botticelli era como<br />

pertencesse a todo mundo que a olhasse. A <strong>de</strong> Fra Filippo pertencia somente a<br />

Deus e a si mesma.<br />

Meu estômago começou a doer <strong>de</strong> novo. Minha mãe mantinha uma<br />

garrafa <strong>de</strong> liquore digestivo no baú <strong>de</strong> remédios em seu quarto <strong>de</strong> vestir. Talvez<br />

eu tomasse um pouco, aliviasse a dor. Saí do meu quarto e <strong>de</strong>sci, em silêncio,<br />

um lance <strong>de</strong> escada, mas ao me virar em direção aos aposentos <strong>de</strong> minha mãe,<br />

algo me chamou a atenção, uma linha <strong>de</strong> luz tremeluzindo por baixo da porta da<br />

sala da capela à minha esquerda. A capela era proibida criados, e com minha<br />

mãe e meu pai fora <strong>de</strong> casa, só podia ser uma pessoa. Não me lembro mais se<br />

esse pensamento me fez hesitar ou me instou a prosseguir.<br />

Dentro, uma onda <strong>de</strong> luz <strong>de</strong> vela ilumina a pare<strong>de</strong> <strong>de</strong> trás do altar, mas<br />

imediatamente a luz se contrai, <strong>de</strong>pois eclipsa-se completamente, quando a<br />

última vela é coberta. Espero, <strong>de</strong>pois fecho aporta atrás <strong>de</strong> mim, <strong>de</strong>ixando-a,<br />

<strong>de</strong>liberadamente, ranger, antes <strong>de</strong> batê-la. Quem quer que eu fosse, até on<strong>de</strong> lhe<br />

diz respeito, tornara a sair.<br />

Ficamos no escuro por um tempo interminável, o silêncio tão completo<br />

que quando engulo ouço o som da minha saliva <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> meus ouvidos. Por<br />

fim, um ponto <strong>de</strong> luz on<strong>de</strong> as velas tinham estado. Observo quando o acen<strong>de</strong>dor<br />

ocultado ilumina um pavio, <strong>de</strong>pois outro e mais outro, até a pare<strong>de</strong> do fundo<br />

ficar repleta <strong>de</strong> línguas da cor laranja e ele entrar em foco, seu corpo alto e<br />

magro <strong>rev</strong>elado no interior do semi-círculo <strong>de</strong> luz.<br />

Dou os primeiros passos na sua direção. Meus pés estão <strong>de</strong>scalços e tenho<br />

prática em andar à noite. E, ao que parece, ele também. Sua cabeça se ergue<br />

abruptamente, como um animal sentindo um perfume noturno.<br />

— Quem está aí? — E a sua voz é áspera o bastante para alterar a batida<br />

do meu coração, se bem que sei que é assim por medo e não por raiva.

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