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Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev

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continuava zangada comigo por manter segredo sobre a minha noite <strong>de</strong> núpcias<br />

e <strong>de</strong>scontava sua raiva <strong>de</strong> maneira sutil, mas intensa. Ela não era a única. Os<br />

criados, agora, me olhavam <strong>de</strong> maneira estranha. Nos primeiros dias <strong>de</strong> meu<br />

casamento, tinha <strong>de</strong>sempenhado o papel da esposa, indagando sobre as contas e<br />

dando or<strong>de</strong>ns a quem quer que escutasse. Mas a minha falta <strong>de</strong> confiança me<br />

traiu, e uma casa que fora administrada durante anos sem uma patroa, não<br />

aceitou documente minhas intervenções infantis. Havia vezes em que quase<br />

podia ouvi-los rindo às minhas costas, como se soubessem do jogo <strong>de</strong> mau gosto<br />

para manter a reputação <strong>de</strong> meu marido.<br />

Para afastar o <strong>de</strong>sespero, eu me refugiava na biblioteca. Sob a loggia, no<br />

último andar, longe da umida<strong>de</strong> ou inundação, era o único cômodo da casa que<br />

me oferecia realmente um conforto. Devia haver quase uma centena <strong>de</strong> volumes<br />

ali, remontando, em alguns casos, ao começo do século. O mais extraordinário<br />

era uma cópia das primeiras traduções <strong>de</strong> Platão, realizadas por Ficino,<br />

encomendadas pelo próprio Lorenzo <strong>de</strong> Medici, ainda mais importante por eu<br />

encontrar <strong>de</strong>ntro uma <strong>de</strong>dicatória em uma letra sofisticada.<br />

Para Cristoforo, cujo amor pela erudição é quase tão gran<strong>de</strong> quanto<br />

seu amor pela beleza.<br />

A data era 1477, o ano anterior ao meu nascimento. Como a assinatura era<br />

uma obra <strong>de</strong> arte em si mesma, quem mais po<strong>de</strong>ria tê-la escrito senão o próprio<br />

Lorenzo? Fiquei olhando para a tinta. Se Lorenzo estivesse vivo, seria quase da<br />

mesma ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> meu marido. O conhecimento <strong>de</strong> meu marido <strong>de</strong> sua corte era<br />

maior do que eu tinha me dado conta antes. Se ele voltasse para casa, teríamos<br />

muito a conversar sobre isso.<br />

Li alguns capítulos do texto, fascinada por sua proveniência, mas sinto-me<br />

envergonhada ao admitir que, enquanto alguns meses antes, a sabedoria nele<br />

contida possivelmente tivesse me <strong>de</strong>slumbrado, agora, tais volumes <strong>de</strong> filosofia<br />

apresentavam um certo ar <strong>de</strong> homens velhos; veneráveis, mas tendo perdido a<br />

energia para influenciar um mundo que se distanciava <strong>de</strong>les.<br />

Dos livros, voltei-me para a arte. Certamente a evocação <strong>de</strong> Botticelli <strong>de</strong><br />

Dante ainda inspirava. Mas o gran<strong>de</strong> armário em que meu marido guardava o<br />

porta-fólio estava trancado e quando chamei seu criado e pedi a chave, ele negou<br />

que soubesse on<strong>de</strong> estava. Foi a minha imaginação ou ele sorriu afetado ao me<br />

dizer isso?<br />

Trouxe-me notícias melhores uma hora <strong>de</strong>pois.<br />

— Tem uma visita, senhora.<br />

— Quem é?<br />

Ele sacudiu os ombros.

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