Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev
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quando tinha, ela acha, cinco ou seis anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, e vendida no mercado <strong>de</strong><br />
escravos a um mercador florentino cujos negócios tinham falido quando per<strong>de</strong>u<br />
três navios que vinham das índias. Meu pai a adquirira como pagamento <strong>de</strong> uma<br />
dívida. Eu ainda era um bebê quando ela chegou e ficou encarregada <strong>de</strong> cuidar<br />
<strong>de</strong> Plautilla e <strong>de</strong> mim, às vezes, o que era mais fácil do que o trabalho manual<br />
que logo a <strong>de</strong>struiria. Tinha uma inteligência sutil misturada com bom senso, e<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a minha mais tenra infância, tanto era capaz <strong>de</strong> me disciplinar quanto <strong>de</strong><br />
me divertir. Acho que minha mãe viu nela a resposta para as suas orações,<br />
quando se tratava <strong>de</strong> moldar a sua filha especial, e, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, tornou-se<br />
minha. Mas, na verda<strong>de</strong>, ninguém era dono <strong>de</strong> Erila. Embora, pela lei, ela fosse<br />
proprieda<strong>de</strong> do meu pai e ele pu<strong>de</strong>sse fazer o que quisesse com ela, Erila sempre<br />
manteve uma in<strong>de</strong>pendência e um movimento secreto como os <strong>de</strong> um gato,<br />
errando pela cida<strong>de</strong> e trazendo os boatos que corriam como frutas frescas e<br />
fazendo dinheiro com a sua venda. Era a minha melhor amiga na casa <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />
me lembro <strong>de</strong> mim mesma, e meus olhos e ouvidos em todos os lugares a que<br />
não podia ir.<br />
— Então. Conseguiu?<br />
— Talvez sim, talvez não.<br />
— Oh, Erila! — Mas eu sabia que não <strong>de</strong>via pressioná-la. Ela <strong>de</strong>u um<br />
sorriso largo.<br />
— Agora, aí vai uma boa. Hoje, enforcaram um homem na Porta di<br />
Giustizia. Um assassino. Cortou a amante em pedacinhos. Depois <strong>de</strong> ele se<br />
balançar por meia hora, o baixaram e o colocaram na carroça da morte, on<strong>de</strong> ele<br />
voltou a se sentar e se queixou <strong>de</strong> muita dor na garganta, e pediu um copo <strong>de</strong><br />
água.<br />
— Não! O que eles fizeram?<br />
— Levaram-no para o hospital, on<strong>de</strong> está sendo alimentado com pão<br />
molhado no leite, até po<strong>de</strong>r engolir <strong>de</strong> novo e ser enforcado <strong>de</strong> novo.<br />
— Não! O que a multidão fez?<br />
Ela <strong>de</strong>u <strong>de</strong> ombros.<br />
— Gritaram, ficaram instigando-o aos berros. Mas então, um dominicano<br />
gordo, com uma cara <strong>de</strong> pedra-pomes, apareceu com um sermão sobre como<br />
Florença era uma fossa tão cheia <strong>de</strong> perversida<strong>de</strong>s que os celerados floresciam<br />
enquanto os bons sofriam.<br />
— Mas e se não fosse um celerado? Quer dizer, e se isso fosse um<br />
exemplo da misericórdia infinita <strong>de</strong> Deus, mesmo para os pecadores mais<br />
torpes? Oh, queria estar lá para ver! O que você acha?<br />
— Eu? — riu. — Acho que o carrasco <strong>de</strong>u o nó errado. Pronto, acabei. —<br />
Segurou minhas mãos, examinando sua obra. Estavam limpas pela primeira vez<br />
em dias, as unhas reluzindo e rosas, porém o quanto mais branca estava a minha