Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev
Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev
Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Atrás <strong>de</strong> nós, os sinos <strong>de</strong> Santa Croce tocaram o começo da vigília das<br />
3:00. Ah, as ruas eram substituídas pelo campo aberto, o terreno e jardins do<br />
mosteiro <strong>de</strong> Santa Croce <strong>de</strong> cada lado, à frente o portão com os gran<strong>de</strong>s muros<br />
da cida<strong>de</strong> ao redor. Lembrei-me <strong>de</strong> Tomaso contando como, no verão, era um<br />
bom terreno para o esporte, para quem quisesse jogar. Eu imaginara moças com<br />
sorrisos faceiros, mas, sem dúvida, ele estava-se referindo a outras coisas. Mas o<br />
humor estava mais para outro tipo <strong>de</strong> transgressão, e o terreno coberto <strong>de</strong><br />
vegetação que levava ao portão estava <strong>de</strong>serto.<br />
— Meu Deus, espero que não tenhamos nos atrasado <strong>de</strong>mais —<br />
murmurou Erila. Empurrou-me para a sombra <strong>de</strong> uma árvore gran<strong>de</strong>. — Não se<br />
mexa — mandou. — Eu já volto.<br />
Desapareceu no escuro e me apoiei no tronco. Eu estava ofegando do<br />
esforço, e minhas pernas estavam tremendo. Ouvi algo se mover à minha<br />
esquerda e me virei rapidamente, mas não havia nada ali. No portão, <strong>de</strong>veria<br />
haver soldados: três horas da manhã marcava a hora da mudança da guarda. Por<br />
que a hora tinha sido tão importante?<br />
— Erila? — sussurrei <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> algum tempo.<br />
O silêncio agora era profundo e a escuridão mais assustadora do que as<br />
ruas. Senti uma dor brusca na parte inferior do meu útero, mas era difícil dizer<br />
se tinha sido provocada pelo medo ou pelo bebê. Do escuro, sob o muro, vi uma<br />
figura emergir. Erila, meta<strong>de</strong> andando, meta<strong>de</strong> correndo. Quando me alcançou,<br />
agarrou-me pela mão.<br />
— Alessandra. Temos <strong>de</strong> voltar. Já. Sei que está cansada, mas temos <strong>de</strong><br />
andar rápido.<br />
— Mas...<br />
— Nada <strong>de</strong> "mas". Vou contar, juro, mas não agora. Agora, por favor,<br />
an<strong>de</strong>. — E havia um terror em sua voz que eu nunca ouvira antes, e que parou<br />
meus protestos. Levou-me pela mão e quando fiquei sem ar, apoiou-me sob o<br />
cotovelo. Saímos da vegetação e voltamos para a cida<strong>de</strong>. Seus olhos estavam em<br />
toda parte, tentando ler o escuro. Quando alcançamos a Piazza Santa Croce,<br />
parei, a gran<strong>de</strong> fachada <strong>de</strong> tijolos da igreja avultando-se sobre nós.<br />
— Tenho <strong>de</strong> parar ou vou passar mal — disse eu, minha voz trêmula <strong>de</strong><br />
exaustão.<br />
Ela concordou, sua cabeça sem parar <strong>de</strong> virar para todo lado. A praça era<br />
um lago cinza sob feixes <strong>de</strong> luar fragmentado, a única rosácea da gran<strong>de</strong> igreja<br />
olhando para nós, lá do alto, como o olho do Ciclope.<br />
— Conte.<br />
— Depois...<br />
— Não, agora. Não vou sair daqui até que me conte.<br />
— Oh, Cristo, não há tempo para isso!