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Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev

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suas pernas.<br />

Depois disso, havia as mulheres. Uma era velha, <strong>de</strong> novo nua, os<br />

músculos <strong>de</strong> sua barriga frouxos e vergados, do lado, com um braço dobrado<br />

sobre a cabeça, como se tentasse se proteger da morte. Havia ferimentos por<br />

todo seu corpo, e o outro braço estava em um ângulo estranho, o cotovelo<br />

apontando para o lado errado, como uma boneca quebrada. Mas foi a mais<br />

jovem a que mais me assustou.<br />

Estava estendida <strong>de</strong> costas, nua, e eu já a tinha visto também. Seu corpo<br />

era o da jovem <strong>de</strong>itada no <strong>de</strong>senho para o afresco da capela. Estava sobre uma<br />

maca esperando o milagre <strong>de</strong> Deus que a levantaria dos mortos. Mas ali não<br />

haveria essa ressurreição. Pois nesses esboços, além <strong>de</strong> estar morta, ela estava<br />

mutilada. Seu rosto tinha sido captado em um ricto <strong>de</strong> agonia e terror, e toda a<br />

parte inferior <strong>de</strong> seu estômago estava aberto e exposto. No meio da mixórdia <strong>de</strong><br />

pedaços e sangue, estava a forma pequena, mas inconfundível, <strong>de</strong> um feto<br />

prematuro.<br />

— O cozinheiro disse que a comida está pronta, senhora Alessandra. A voz <strong>de</strong><br />

Maria fez meu coração chocar-se em minha caixa torácica.<br />

— Eu... estarei lá em um instante — disse eu, metendo apressadamente as<br />

folhas <strong>de</strong> papel em minhas saias.<br />

Lá fora, ao sol, Maria e Erila ficaram me esperando. Erila lançou-me um<br />

olhar claramente <strong>de</strong>sconfiado. Recusei-me a olhar para ela.<br />

— O que <strong>de</strong>scobriu lá? — perguntou quando subíamos a escada estreita<br />

que levava à porta da sacristia, ela seguindo na frente, segurando a ban<strong>de</strong>ja.<br />

— Bem... alguns esboços, só isso.<br />

— Espero que saiba o que está fazendo — disse ela <strong>de</strong> maneira<br />

impu<strong>de</strong>nte. — Meta<strong>de</strong> da criadagem acha que está enrolado em seu próprio<br />

carvão. Disseram que passou quase todo o inverno <strong>de</strong>senhando as carcaças dos<br />

animais que jogavam fora. Na cozinha, acham que ele tem olhos do Diabo.<br />

— Talvez — disse eu. — Mas, ainda assim, não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixá-lo morrer<br />

<strong>de</strong> fome.<br />

— Bem, contanto que saiba que não entrará lá sozinha.<br />

— Não tem problema. Ele não vai me machucar.<br />

— E se estiver enganada? — disse ela com firmeza, virando-se para mim<br />

quando chegamos ao topo da escada. — E se tem alguma coisa errada com a sua<br />

cabeça? Viu-os nas ruas. Deus em excesso provoca febre cerebral. Só porque a<br />

seduziu com seu pincel não significa que não seja perigoso. Sabe que acho? Que<br />

não é da sua conta. Agora você tem uma casa sua e problemas o bastante para<br />

ocupar um exército. Deixe isso para outra pessoa. Ele é só um pintor.

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