Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev
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— Por algum tempo, per<strong>de</strong>u a fé — respondi calmamente.<br />
— Ah, pobre alma. E você ajudou-o a reencontrá-la? Bem, salvou algo<br />
ali, Alessandra. Há muita ternura nele. Ele teve sorte <strong>de</strong> a cida<strong>de</strong> não o<br />
corromper ainda mais. — Fez uma pausa. — Há uma coisa <strong>de</strong> que precisamos<br />
falar, se ainda a <strong>de</strong>sconhece. A infecção <strong>de</strong> Tomaso... é contagiosa.<br />
— Está dizendo que estou doente? — E meu estômago virou <strong>de</strong> medo.<br />
— Não. Mas que nós dois po<strong>de</strong>mos estar.<br />
— Nesse caso, on<strong>de</strong> ele a pegou? — perguntei bruscamente.<br />
Ele riu, embora não houvesse muito do quê.<br />
— Minha querida, não parece muito difícil <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r. Tenho sido um<br />
louco <strong>de</strong> amor quando se trata <strong>de</strong> seu irmão, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a primeira vez em que pus os<br />
olhos nele, no fundo <strong>de</strong> um antro <strong>de</strong> jogo, perto da ponte velha, há três anos. Ele<br />
tinha quinze anos e era tão impetuoso quanto um potro. Talvez fosse insensato<br />
eu esperar que tal paixão pu<strong>de</strong>sse vir a ser mútua.<br />
— Bem, eu teria lhe dito isso — disse eu. — Quanto tempo até sabermos<br />
ao certo?<br />
Ele sacudiu os ombros.<br />
— A doença é nova para todos nós. A única esperança é que as pessoas<br />
não parecem morrer disso. O senão é que não existem regras e nenhum remédio<br />
que se aplique a ela. Tomaso caiu rápido, mas po<strong>de</strong> ser por tê-la contraído no<br />
começo. Ninguém sabe.<br />
Pensei no proxeneta enforcado na Ponte Santa Trinita, com suas tripas no<br />
chão, e em como isso tinha sido castigo por, entre outras coisas, oferecer aos<br />
franceses tudo o que <strong>de</strong>sejavam. E isso me fez pensar <strong>de</strong> novo no assassino; que<br />
força <strong>de</strong> retidão <strong>de</strong>via haver <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>le. E que fúria.<br />
— Mas há algo pior — disse ele baixinho. — Outra epi<strong>de</strong>mia chegou à<br />
cida<strong>de</strong>.<br />
Olhei para ele, que baixou os olhos.<br />
— Oh, Cristo, não. Quando?<br />
— Há uma semana. Talvez antes. Os primeiros casos chegaram à morgue<br />
alguns dias atrás. As autorida<strong>de</strong>s tentarão manter sigilo pelo máximo <strong>de</strong> tempo<br />
possível, mas não <strong>de</strong>verá ser muito.<br />
E apesar <strong>de</strong> nenhum <strong>de</strong> nós dois dizer nada, a palavra já estava no ar,<br />
<strong>de</strong>slizando por sobre as portas, saindo pelas janelas para as ruas, entrando em<br />
toda casa daqui até os muros da cida<strong>de</strong>, o medo mais infeccioso do que a própria<br />
doença. Ou Deus estava tão impressionado com a <strong>de</strong>voção florentina que<br />
resolvera chamar os <strong>de</strong>votos diretamente a Ele ou... bem, o "ou" era terrível<br />
<strong>de</strong>mais para se pensar nele.