Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev
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que podia com a alquimia caseira. Usava gemas <strong>de</strong> ovos surrupiadas da cozinha<br />
(o meu amor por merengue era lendário com o cozinheiro) que, misturadas ao<br />
alvaia<strong>de</strong>, produziam um tom próximo ao da pele. Eu tinha feito o meu próprio<br />
preto com o pó <strong>de</strong> cascas <strong>de</strong> amêndoas queimadas e juntado fuligem da can<strong>de</strong>ia<br />
<strong>de</strong> óleo <strong>de</strong> linhaça, e, uma vez, tinha até mesmo forjado um tom razoável <strong>de</strong><br />
ver<strong>de</strong>te <strong>de</strong>itando vinagre forte em tigelas <strong>de</strong> cobre. Mas foi um alvoroço na<br />
cozinha, quando as tigelas foram <strong>de</strong>scobertas manchadas e <strong>de</strong>sfiguradas, e a<br />
qualida<strong>de</strong> da tinta que produzia era ineficaz. De qualquer jeito — que histórias<br />
se podia ilustrar usando preto, branco e ver<strong>de</strong>?<br />
Fazia quase uma semana do meu encontro casual com o pintor na capela.<br />
Operários tinham começado a erigir os andaimes, para que ele <strong>de</strong>sse início ao<br />
trabalho. Não podia esperar mais. Chamei Erila.<br />
Des<strong>de</strong> a notícia do sangramento, ela estava excitada por minha causa.<br />
Depois <strong>de</strong> selecionado um marido para mim, ela ficaria numa casa em que a sua<br />
patroa seria a patroa, e a sua nova influência não teria limites. Tinha muito mais<br />
apetite <strong>de</strong> vida do que muitos escravos, Se bem que a sua condição não tinha<br />
sido tão cruel para ela quanto para outros. Havia casas em que, quando ficasse<br />
mais mulher, se aproveitariam <strong>de</strong>la — a cida<strong>de</strong> estava cheia <strong>de</strong> escravas <strong>de</strong><br />
barrigão que serviam seus patrões tanto na cama quanto na sala <strong>de</strong> jantar —,<br />
mas o meu pai não era assim e, apesar <strong>de</strong> Luca ter tentado a sorte, ela o havia<br />
rechaçado com uma tapa na orelha. Tomaso, até on<strong>de</strong> eu sabia, nunca a<br />
incomodara. Ele tinha excessivo respeito por sua vaida<strong>de</strong> para empreen<strong>de</strong>r algo<br />
que não o levasse à vitória.<br />
— E quando encontrar o pintor, o que direi a ele?<br />
— Pergunte-lhe quando posso entregá-los. Ele vai saber o que isso quer<br />
dizer.<br />
— E você sabe? — disse ela rispidamente.<br />
— Erila, por favor. Simplesmente faça isso por mim, uma vez. Não resta<br />
muito tempo.<br />
E embora me censurasse com seus olhos, ela foi e, mais tar<strong>de</strong>, quando<br />
voltou, me disse que ele estaria no jardim na manhã seguinte bem cedo.<br />
Agra<strong>de</strong>ci-lhe e disse que tinha <strong>de</strong> ir pessoalmente.<br />
Levantei-me ao alvorecer. O cheiro <strong>de</strong> pão assado pairava no ar e meu<br />
estômago cantou <strong>de</strong> fome. O jardim no pátio dos fundos era a gran<strong>de</strong> alegria <strong>de</strong><br />
minha mãe. Ainda era novo, a vegetação <strong>de</strong> apenas meia dúzia <strong>de</strong> verões, mas<br />
meu pai o havia abastecido <strong>de</strong> plantas trazidas <strong>de</strong> sua vila, <strong>de</strong> modo a parecer<br />
maduro. Havia um broto <strong>de</strong> figueira, uma romãzeira, uma nogueira, uma série <strong>de</strong><br />
buxos trespassados com murta aromática, uma horta <strong>de</strong> ervas fértil o bastante<br />
para servir às cozinhas com boa quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> salva, menta, alecrim, saião e<br />
manjericão, e flores coloridas que mudavam com as estações. Minha mãe, com