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Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev

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— Sim — disse eu, encontrando seu olhar. — Isso a preocupa?<br />

Ela sacudiu ligeiramente os ombros.<br />

—Talvez não precisasse aceitar o primeiro que oferecessem.<br />

— Oh, é mesmo. Deixei uma fila aguardando do lado <strong>de</strong> fora? Ou<br />

preferiria me ver recitando o rosário em uma cela úmida no ermo da região?<br />

Podia ter pedido para levá-la comigo também para lá.<br />

Ela não disse nada.<br />

— Erila? — esperei. — Ele será seu dono também. Se sabe <strong>de</strong> alguma<br />

coisa que eu não sei, é melhor me dizer agora.<br />

Ela sacudiu a cabeça.<br />

— Nós duas já fomos vendidas. Só nos resta tirar o melhor proveito disso.<br />

Senti como se minha vida estivesse escorrendo como areia em uma<br />

ampulheta, e logo não haveria tempo. Não tinha recebido nenhuma mensagem<br />

do pintor. Seu silêncio era como uma dor que eu tentasse ignorar, embora, às<br />

vezes, na cama, quando o calor estava insuportável, eu me visse sucumbindo e,<br />

então, eu voltava ao frescor da capela, a sua pele perolada na luz <strong>de</strong> vela, ou ao<br />

ar fresco do jardim ao amanhecer, observando seus <strong>de</strong>dos sob<strong>rev</strong>oando o papel,<br />

fascinada pela maneira como as asas dos anjos se <strong>de</strong>senvolviam sob seu toque.<br />

Nessas noites, eu dormia mal e <strong>de</strong>spertava ensopada <strong>de</strong> um suor frio e quente ao<br />

mesmo tempo.<br />

Decidi que a franqueza era o melhor método <strong>de</strong> enganar e pedi a<br />

permissão <strong>de</strong> minha mãe para visitar a capela, já que eu partiria em b<strong>rev</strong>e. Ela<br />

estava ocupada <strong>de</strong>mais para me acompanhar e, é claro, havia menos necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> damas <strong>de</strong> companhia agora. Erila seria o suficiente.<br />

A capela estava transformada. O altar era meta<strong>de</strong> um canteiro <strong>de</strong> obras,<br />

meta<strong>de</strong> a gruta <strong>de</strong> um feiticeiro: havia andaimes e vigas fixadas para criarem<br />

uma série <strong>de</strong> passagens e plataformas em cada altura, ascen<strong>de</strong>ndo até o alto das<br />

pare<strong>de</strong>s, e no meio, um fogaréu que enchia o ar <strong>de</strong> fumaça. Acima, bem<br />

retesada, havia uma gra<strong>de</strong> que parecia <strong>de</strong> arame grosso preto, cuja sombra era<br />

lançada pela luz das chamas no teto abobadado. O pintor tinha sido içado para o<br />

alto, no espaço. Estava suspenso perto da superfície do telhado e estava absorto,<br />

traçando as linhas da gra<strong>de</strong> <strong>de</strong> sombras no teto. Ao completar uma, gritava para<br />

que os homens, embaixo, afrouxassem ou apertassem a corda para movê-lo <strong>de</strong><br />

um lado para o outro, para <strong>de</strong>ntro e fora do calor.<br />

Erila e eu ficamos observando, paralisadas. Ele estava tão concentrado e<br />

era tão hábil, como uma aranha bamboleando e tecendo uma teia tosca, mas<br />

perfeitamente geométrica. Movia-se rápido, fazendo o máximo que podia para<br />

evitar o calor das chamas. Uma pare<strong>de</strong> já mostrava figuras esboçadas, pintadas<br />

na sinópia vermelho-terrosa, prontas para o reboco. No solo, um garoto,<br />

provavelmente não mais velho do que eu, trabalhava a uma mesa com a moleta e

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