Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev
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competidores, que tropeçavam e resmungavam na areia movediça preta, até os<br />
dois lados emergirem parecendo Diabos. Contou-me, <strong>de</strong>pois, que o tinha visto<br />
enterrar a cabeça <strong>de</strong> um homem tão fundo na lama, que este só conseguiu indicar<br />
que se rendia agitando os braços.<br />
Mas tais espetáculos haviam sido construídos com base no jogo e, nas<br />
águas das novas leis, ele não tivera outra opção a não ser <strong>de</strong>scobrir outra<br />
maneira <strong>de</strong> usar seu corpo magnífico. Estava nu até a cintura, o frio fazendo com<br />
que sua respiração exalasse fumaça. A parte superior do torso parecia-se mais<br />
com a <strong>de</strong> um animal do que com a <strong>de</strong> um homem, seus músculos tão<br />
proeminentes e grossos que o seu pescoço lembrou-me imediatamente o <strong>de</strong> um<br />
touro. Fez-me pensar no Minotauro e seu ataque ao gran<strong>de</strong> Teseu no centro do<br />
labirinto. Mas a sua era uma aberração diferente da natureza.<br />
Sua pele havia sido untada até refulgir, e em seus braços e peito havia a<br />
pintura (se bem que qual tinta conseguiria a<strong>de</strong>rir a uma pele humana tão<br />
untada?) <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> serpente. E quando flexionou os músculos, fazendo a<br />
pele ondular, suas curvas grossas ver<strong>de</strong>s e pretas cintilaram e colearam ao longo<br />
<strong>de</strong> seus braços e por seu torso. Foi uma imagem monstruosa e mágica. Fiquei<br />
fascinada. A ponto <strong>de</strong> abrir caminho <strong>de</strong> maneira grosseira, até estar diretamente<br />
embaixo <strong>de</strong>le.<br />
A sofisticação <strong>de</strong> minhas roupas chamou a atenção para a minha bolsa, e<br />
ele curvou-se na minha direção.<br />
— Observe com atenção, jovem senhora — disse ele —, embora talvez<br />
tenha <strong>de</strong> erguer o véu para ver melhor o prodígio.<br />
Puxei o véu para o lado, e ele sorriu largo para mim, uma lacuna larga<br />
como o Arno entre os dois <strong>de</strong>ntes da frente, <strong>de</strong>pois esten<strong>de</strong>u os braços na minha<br />
direção, <strong>de</strong> modo que, <strong>de</strong>ssa vez, quando a serpente rastejou, foi tão perto que eu<br />
po<strong>de</strong>ria tocá-la.<br />
— O diabo é uma serpente. Cuidado com os pecados ocultos no prazer<br />
dos braços <strong>de</strong> um homem.<br />
Agora, Erila puxava a manga <strong>de</strong> meu vestido, mas a afastei.<br />
— Como fez isso em seu corpo? — perguntei ansiosamente. — Que tintas<br />
usou?<br />
— Ponha um pouco <strong>de</strong> prata na caixa e lhe direi. — A serpente pulou para<br />
cima <strong>de</strong> seu ombro.<br />
Remexi na bolsa e joguei meio florim na caixa. Ficou ali, refulgindo no<br />
meio do cobre opaco. Erila <strong>de</strong>u um suspiro afetado diante <strong>de</strong> minha credulida<strong>de</strong><br />
e tirou a bolsa da minha mão, metendo-a <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> seu corpete para mantê-la<br />
segura.<br />
— Diga-me! — falei. — Não po<strong>de</strong> ser tinta. Então, é tintura?<br />
— Tintura e sangue — respon<strong>de</strong>u ele, sombriamente, agachando-se <strong>de</strong>