15.04.2013 Views

Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev

Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev

Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

— Não <strong>de</strong>sse tipo — murmurei.<br />

— Não — disse ele, os olhos fixos na plumagem ultrajante. — Nunca<br />

tinha visto estas criaturas antes. Embora tenha ouvido histórias.<br />

— Por que precisa pintá-los? Não acho que Santa Catarina comungasse<br />

com animais.<br />

— Asas <strong>de</strong> anjos — disse ele enquanto o pequeno bico cruel ficava <strong>de</strong> lá<br />

para cá na sua mão. — Para a Assunção no teto do altar. Preciso <strong>de</strong> penas.<br />

— Nesse caso, tem <strong>de</strong> tomar cuidado para que os seus anjos não eclipsem<br />

Deus. — E ao dizer isso, pensei em como era fácil para nós conversar <strong>de</strong>ssa<br />

maneira, como se a divergência no escuro da capela tivesse sido <strong>de</strong>struída pelo<br />

sol da manhã. — O que você usava no Norte?<br />

— Pombos... gansos e cisnes.<br />

— É claro. Seu Gabriel branco. — E <strong>rev</strong>i as asas ondulantes do afresco<br />

cru em seu quarto. Mas ele estava adquirindo fluência na cor. Eu via isso em<br />

suas mãos. O que eu não daria para ter minhas unhas cobertas com tantos tons?<br />

O pavão tendo beliscado o bastante, afastou-se lançando-me um último insulto<br />

ao me ignorar. O ar luminoso da manha ainda estava entre nós, meu anseio tão<br />

fresco quanto o orvalho nas folhas. Ele tornou a pegar seu pincel, eu me<br />

aproximei.<br />

— Quem mistura suas tintas, pintor?<br />

— Eu.<br />

— É difícil?<br />

Ele sacudiu a cabeça, seus <strong>de</strong>dos movendo-se rápido.<br />

— No começo, talvez. Agora, não.<br />

Eu sentia meus <strong>de</strong>dos cocando <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> tocar nas cores, a ponto <strong>de</strong><br />

ter <strong>de</strong> pren<strong>de</strong>r meus próprios pulsos do meu lado.<br />

— Posso dizer o nome <strong>de</strong> cada tom em cada muro <strong>de</strong> Florença, e sei a<br />

receita <strong>de</strong> uns doze <strong>de</strong>les. Porém mesmo que eu conseguisse os ingredientes, não<br />

teria um ateliê on<strong>de</strong> misturá-los nem tempo só meu, sem supervisão. —<br />

Interrompi-me. — Estou tão cansada <strong>de</strong> bico-<strong>de</strong>-pena. Dá um matiz sem vida e<br />

tudo que capto parece, <strong>de</strong> certa maneira, melancólico.<br />

Dessa vez, ele ergueu o olhar para mim e nossos olhos se encontraram. E,<br />

como na capela, juro que ele enten<strong>de</strong>u. O rolo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos queimava a palma <strong>de</strong><br />

minha mão. Dentro estava a minha Anunciação e uns doze outros escolhidos<br />

tanto por sua ambição quanto precisão. Era agora ou nunca. Senti o medo no<br />

suor <strong>de</strong> minhas mãos, e isso fez com que eu fosse mais ida com ele do que<br />

pretendia. Eu os estendi para ele.<br />

— Não quero tato, enten<strong>de</strong>? Quero a verda<strong>de</strong>.<br />

Ele não se mexeu, e no silêncio que se seguiu, percebi ter estragado algo<br />

que nascia entre nós, mas eu estava nervosa <strong>de</strong>mais para saber como comportar

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!