Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev
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sobre o pavimento <strong>de</strong> pedras arredondadas. E tenho <strong>de</strong> admitir que seus olhos<br />
realmente se pareciam um pouco com os meus; fundos e escuros, gran<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong>mais para o seu rosto e fimbriados <strong>de</strong> um buxo <strong>de</strong> cílios. Apesar <strong>de</strong> eu não ser<br />
tão estranha e tão alta a ponto <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ser comparada com ela.<br />
Houve um tempo em que um insulto como esse me faria chorar. Mas, à<br />
medida que ficava mais velha, a minha pele se enrijecia. Dançar é uma das<br />
muitas coisas em que eu <strong>de</strong>veria ser boa e não sou. Ao contrário <strong>de</strong> minha irmã.<br />
Plautilla move-se pela pista como água e canta como um canário, enquanto eu,<br />
que posso traduzir latim e grego mais rápido do que ela ou meus irmãos o lêem,<br />
sou <strong>de</strong>sastrada na pista <strong>de</strong> dança e tenho a voz <strong>de</strong> um corvo. Mas juro que se<br />
pintasse a escala o faria em um piscar <strong>de</strong> olhos: uma folha dourada brilhante<br />
para as notas agudas, caindo para tons <strong>de</strong> ocre e vermelho até o púrpura e o azul<br />
mais escuro.<br />
Mas hoje, sou salva <strong>de</strong> mais tormentos. Quando o professor começa a<br />
cantarolar as notas iniciais, as vibrações em seu pequeno nariz ressoando como<br />
uma mistura <strong>de</strong> marimbau com uma abelha raivosa, batem estrondosamente na<br />
porta principal, lá embaixo, e <strong>de</strong>pois há uma polvorosa <strong>de</strong> vozes e a velha<br />
Ludovica entra na sala, bufando e sorrindo largo.<br />
— Senhora Plautilla, chegou. O cassone <strong>de</strong> casamento chegou. A senhora<br />
e sua irmã Alessandra são chamadas ao quarto <strong>de</strong> sua mãe imediatamente.<br />
E então minhas pernas <strong>de</strong> girafa me levaram mais rápido do que as <strong>de</strong>la <strong>de</strong><br />
gazela. Há certas compensações em ser um varapau.<br />
Um caos, a confusão é total. A mulher na frente do grupo está<br />
cambaleando, uma mão agitando-se freneticamente à frente como se para se<br />
firmar. Ela está seminua, sua combinação diáfana ao redor das pernas, o pé<br />
esquerdo <strong>de</strong>scalço no piso <strong>de</strong> pedra. Em contraste, o homem do seu lado está<br />
completamente vestido. Tem uma perna particularmente bela e um gibão <strong>de</strong><br />
brocado ricamente bordado. Se olhamos com atenção, localizamos pérolas<br />
tremeluzindo no tecido. Seu rosto está perto do <strong>de</strong>la, os braços firmes ao redor<br />
da sua cintura, os <strong>de</strong>dos retesados para melhor segurarem seu corpo pen<strong>de</strong>nte.<br />
Apesar <strong>de</strong> haver violência na pose, há também graça, como se pu<strong>de</strong>ssem estar,<br />
também, dançando. À direita, um grupo <strong>de</strong> mulheres, elegantemente vestidas,<br />
abraçadas. Alguns dos homens já se infiltraram nesse grupo; um tem a mão no<br />
vestido <strong>de</strong> uma mulher, outro, os lábios tão perto dos <strong>de</strong>la que certamente estão<br />
se beijando. Reconheço um dos tecidos <strong>de</strong> riscas douradas <strong>de</strong> meu pai na sua<br />
saia e nas mangas elegantemente fendidas. Volto a atenção para a garota na<br />
frente. Ela é muito bonita para ser Plautilla (ele não se at<strong>rev</strong>eria a <strong>de</strong>spi-la, não é<br />
claro?), mas seu cabelo solto é mais louro do que o das outras, uma