15.04.2013 Views

Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev

Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev

Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

sua força não diminua as palavras.<br />

Ouvi minha filha estalar a língua, aquele gesto <strong>de</strong> frustração tranqüila que<br />

tinha aprendido com Erila.<br />

— Oh, não vejo como po<strong>de</strong> acreditar nisso. Quanto mais gloriosa a<br />

imagem, mais perto ela leva o suplicante a Cristo. Esc<strong>rev</strong>er em um lugar o nome<br />

<strong>de</strong> Nosso Senhor, colocar a figura que o representa no lado oposto, e qual dos<br />

dois estimula mais a <strong>de</strong>voção?<br />

— Não sei. É uma pergunta sábia?<br />

— Sim! O homem que disse isso é um pintor sábio. Talvez não o conheça,<br />

a sua obra é mo<strong>de</strong>rna. Seu nome é Leonardo da Vinci.<br />

E ele riu.<br />

— Leonardo? Nunca ouvi falar <strong>de</strong>le. E como sabe o que esse Leonardo<br />

diz?<br />

Ela olhou para ele séria.<br />

— Não estamos tão isoladas quanto po<strong>de</strong> parecer. E algumas notícias são<br />

mais importantes do que outras. De on<strong>de</strong> veio mesmo?<br />

— Ele vem <strong>de</strong> Roma — disse eu, atravessando a sala obscurecida até a luz<br />

do sol que incidia neles. — Via Florença e um mosteiro na beira do mar, on<strong>de</strong> o<br />

vento do inverno é tão frio que congela seus cílios e transforma em gelo a<br />

respiração em suas narinas.<br />

Ele virou-se e olhamos um para o outro. Eu o teria reconhecido<br />

imediatamente, com ou sem o tecido elegante. Estava bem mais forte, a<br />

vivacida<strong>de</strong> adolescente há muito <strong>de</strong>saparecida, e estava bonito, agora podia-se<br />

ver isso realmente. Se bem que também po<strong>de</strong>ria se <strong>de</strong>ver ao fato <strong>de</strong> que ele sabia<br />

disso. Confiança é uma coisa perigosa: pouca <strong>de</strong>mais e se está perdido, em<br />

excesso e será culpado <strong>de</strong> outros pecados que ela gera.<br />

E eu? O que ele via na freira à sua frente, o hábito <strong>de</strong> trabalho manchado<br />

<strong>de</strong> tinta, o rosto brilhando do suor provocado pela concentração? Minha estatura<br />

não se alterara. Eu continuava <strong>de</strong>sengonçada, quase do tamanho <strong>de</strong> uma girafa,<br />

se bem que ele sempre fora alto o bastante para fazer eu me esquecer <strong>de</strong> minha<br />

altura. De resto — bem, embora, na época, houvesse espelhos em nosso<br />

convento, há muito eu <strong>de</strong>ixara <strong>de</strong> me olhar neles. Tinha sido um certo prazer<br />

<strong>de</strong>ixar para trás a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se enfeitar e embelezar que vem com o <strong>de</strong>sejo.<br />

Ao longo dos anos, as esteticistas dos claustros tinham-me adulado, vez ou<br />

outra, na permuta <strong>de</strong> habilida<strong>de</strong>s, e eu havia evocado meia dúzia <strong>de</strong> cenas<br />

religiosas <strong>de</strong>corativas em suas celas em troca <strong>de</strong> um hábito <strong>de</strong> melhor caimento<br />

ou uma pele mais macia. Mas nunca tinha sido minha intenção cortejar ninguém.<br />

Meus <strong>de</strong>dos faziam o trabalho <strong>de</strong> um homem, tanto com o pincel como, às<br />

vezes, em meu mato, como Erila, tão poeticamente, diria. Conseqüentemente, eu<br />

tinha me transformado <strong>de</strong> garota em mulher sem perceber.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!