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Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev

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Com o passar dos dias, nos tornamos mais rápidas e eu com mais<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recuperação. A serpente sob nossos <strong>de</strong>dos tornou-se mais<br />

sedutora à medida que aprendíamos melhor como lidar com a agulha, e calcular<br />

quantas perfurações minúsculas eram necessárias para dar vida a cada<br />

movimento do seu músculo. Quando se enrolou e se enroscou, <strong>de</strong> sua maneira<br />

lasciva, em meus seios e minha barriga, eu podia vê-la o suficiente para usar a<br />

agulha eu mesma. De modo que quando cheguei aos contornos <strong>de</strong>sbotados do<br />

rosto <strong>de</strong> meu amante, eu estava sozinha, e aconteceu uma doce catarse na<br />

cruelda<strong>de</strong> das agulhas enquanto eu acrescentava o dardo da língua da serpente<br />

<strong>de</strong>slizando <strong>de</strong> sua boca em direção ao meu sexo. E assim, recuperei o apetite <strong>de</strong><br />

viver e retornei às pare<strong>de</strong>s do meu altar.<br />

Os anos seguintes foram tumultuados. Na primavera, meu pai faleceu, na<br />

ca<strong>de</strong>ira em seu gabinete, seu ábaco e livros <strong>de</strong> contabilida<strong>de</strong> à sua frente. Luca<br />

assumiu a casa e minha mãe retirou-se para um convento <strong>de</strong>ntro da cida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong><br />

fez o voto do silêncio. Sua última carta <strong>de</strong>sejava que Deus me abençoasse e<br />

insistia para que eu confessasse meus pecados, como ela confessara os seus.<br />

Nesse meio-tempo, em sua amada Florença, a República tão maltratada<br />

aceitou os Medici <strong>de</strong> volta, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> décadas <strong>de</strong> exílio. Mas Giovanni <strong>de</strong><br />

Medici, agora Papa Leão X, era uma sombra pálida <strong>de</strong> seu pai erudito. Meu<br />

gordo e seboso meio irmão — pois era isso que era — tinha sido forjado nas<br />

chamas do parasitismo e dissipação da fortuna. Sob seu pontificado, Roma<br />

tornou-se tão flácida quanto seu corpo. Até mesmo a sua arte tornou-se<br />

corpulenta. As cartas <strong>de</strong> meu pintor falavam <strong>de</strong> uma jovem artista, cujo pincel<br />

logo seria tão bom quanto o <strong>de</strong> qualquer homem, mas <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> afligindose<br />

em sua própria <strong>de</strong>cadência; <strong>de</strong> banquetes que duravam dias e patronos tão<br />

ricos que atiravam os pratos <strong>de</strong> prata no Tibre <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> comerem (se bem que<br />

corria o boato <strong>de</strong> que, <strong>de</strong>pois, seus criados os resgatavam).<br />

No ano seguinte, meu pintor e minha filha partiram <strong>de</strong> Roma para a<br />

França. No passado, ele recebera convites tanto <strong>de</strong> Paris quanto <strong>de</strong> Londres,<br />

cida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> a nova erudição estava ainda na infância e on<strong>de</strong> haveria mais<br />

chances <strong>de</strong> patronato para aqueles que permaneceram fiéis aos costumes antigos.<br />

Portanto, partiram com seus pincéis e o manuscrito. Marquei o percurso em um<br />

mapa que a minha freira erudita me conseguira com um cartógrafo em Milão. O<br />

navio ancorou em Marselha, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> viajaram para Paris. Mas o convite<br />

prometido não resultou em trabalho remunerado, e acabaram sendo obrigados a<br />

ven<strong>de</strong>r parte da Divina comédia para se sustentarem. Dessa maneira,<br />

atravessaram a Europa, mas suas cartas falavam <strong>de</strong> uma agressão cada vez maior<br />

dirigida à Igreja estabelecida e ao que alguns consi<strong>de</strong>ravam sua arte idolatra, e,<br />

finalmente, passaram para a Inglaterra, on<strong>de</strong> o jovem rei, instruído na<br />

Renascença, estava ansioso por artistas que engran<strong>de</strong>cessem sua corte. Durante

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