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Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev

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Vinte e três<br />

TANTOS FORAM OS CRIADOS QUE PEDIRAM para ir ao sermão na manhã<br />

seguinte que quase não restou nenhum para guardar a casa. Essa foi uma história<br />

repetida pela cida<strong>de</strong>. Um ladrão esperto po<strong>de</strong>ria ter levado carroças <strong>de</strong> riquezas<br />

nesse dia, se bem que seria preciso que tivesse um estômago forte para pecar<br />

nesse momento — como se aproveitar do escuro <strong>de</strong>pois da crucificação <strong>de</strong><br />

Cristo para bater carteiras da multidão.<br />

Enquanto os pobres se vestiram com sua melhor roupa, os ricos dobraram<br />

suas golas <strong>de</strong> pele para <strong>de</strong>ntro e se certificaram <strong>de</strong> que suas jóias estivessem bem<br />

ocultas, para não contrariarem a Lei Suntuária. Antes <strong>de</strong> sairmos, Erila e eu<br />

inspecionamos uma à outra, para evitar qualquer coisa dúbia ou frívola que<br />

pu<strong>de</strong>sse se <strong>rev</strong>elar por <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> nossas capas. A nossa modéstia <strong>rev</strong>elou-se<br />

não ter sido suficiente. Ao atravessarmos a praça em direção à Catedral, ficou<br />

claro que havia algo errado. O lugar estava lotado <strong>de</strong> gente e havia vozes iradas,<br />

intermediadas do som <strong>de</strong> mulheres chorando. Mal alcançamos a escada, nosso<br />

caminho foi bloqueado por um homem corpulento usando roupa rústica.<br />

— Ela não po<strong>de</strong> entrar — disse ele, ru<strong>de</strong>mente, a meu marido. —<br />

Mulheres são proibidas.<br />

E havia uma tal agressão em sua voz que, por um momento, me perguntei<br />

se ele não saberia algo mais sobre nós, o que fez meu sangue gelar.<br />

— Por que isso? — perguntou meu marido, calmamente.<br />

— O Frei prega no edifício do Estado Pio. Tais assuntos não são para os<br />

ouvidos <strong>de</strong>las.<br />

— Mas se o estado é pio, o que po<strong>de</strong>ria dizer que fosse capaz <strong>de</strong> nos<br />

ofen<strong>de</strong>r? — repliquei em voz alta.<br />

— Mulheres não entram — repetiu ele, me ignorando e se dirigindo a meu<br />

marido. — O assunto <strong>de</strong> governo é para homens. Mulheres são fracas e<br />

irracionais e <strong>de</strong>vem se conservar em obediência, castida<strong>de</strong> e silêncio.<br />

— Bem, senhor — eu disse —, se as mulheres são <strong>de</strong> fato...<br />

— A minha mulher é um repositório <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong> exemplar — os <strong>de</strong>dos <strong>de</strong><br />

Cristoforo beliscaram uma linha <strong>de</strong> pele sob minha manga. — Não há nada que<br />

nem mesmo o nosso mais diligente Prior Savonarola pu<strong>de</strong>sse instruí-la que ela já<br />

não pratique naturalmente.<br />

— Então, é melhor que vá para casa cuidar dos afazeres domésticos, e<br />

<strong>de</strong>ixe os homens com seus negócios — disse ele. — E seu véu não <strong>de</strong>veria ter<br />

nenhuma barra e cobrir seu rosto apropriadamente. Agora, este é um estado <strong>de</strong><br />

virtu<strong>de</strong> simples, sem se misturar com caprichos <strong>de</strong> homens ricos.

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