Sarah Dunant – O Nascimento de Vênus (pdf)(rev
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— Por que a Signoria não dá um basta nisso?<br />
— Porque a população está excitada aguardando, e se agir assim só<br />
conseguirá provocar um motim. Tudo o que po<strong>de</strong>m fazer é restringir os danos e<br />
criticar os freis a quem quer que escute. São como ratos no navio que afunda,<br />
ansiosos por pular, mas com medo da água. Ainda assim, terão, das janelas, uma<br />
vista privilegiada quando as chamas começarem a ar<strong>de</strong>r.<br />
Teria havido um tempo em que uma notícia como essa provocaria um<br />
arrepio tanto <strong>de</strong> excitação quanto <strong>de</strong> terror, quando eu fantasiaria maneiras <strong>de</strong><br />
escapar do controle das acompanhantes e me per<strong>de</strong>ria na multidão, para ser parte<br />
da história <strong>de</strong> tudo isso. Mas não agora.<br />
— Não consigo admitir que tenhamos caído tanto. Vai assistir?<br />
— Eu? Não. Tenho mais o que fazer do que assistir à humilhação da<br />
minha cida<strong>de</strong> — virou-se para Erila. — E você? Pelo que sei, você sabe mais o<br />
que acontece em Florença do que a maior parte <strong>de</strong> seu governo. Vai assistir?<br />
Ela sustentou seu olhar com serenida<strong>de</strong>.<br />
— Não gosto do cheiro <strong>de</strong> carne humana queimando — respon<strong>de</strong>u<br />
calmamente.<br />
— Faz bem. Tudo o que po<strong>de</strong>mos esperar é que Deus concor<strong>de</strong> e, <strong>de</strong><br />
alguma maneira, faça sentir a Sua própria mão.<br />
E assim Ele fez.<br />
Talvez não conheçam a história. Em Florença, tornou-se uma lenda: como<br />
os monges loucos <strong>de</strong>sgraçavam a si mesmos, brigando e discutindo à toa, até<br />
Deus lançar um raio para cessar a rixa.<br />
Se fôssemos diagnosticar o pecado, o orgulho seria o primeiro a nos<br />
ocorrer. E se alguém tivesse <strong>de</strong> partilhar da culpa, então os dominicanos seriam<br />
os primeiros.<br />
A provação ficou marcada para o meio da tar<strong>de</strong> do dia seguinte, um dia<br />
antes do Domingo <strong>de</strong> Ramos. Sob um céu cor <strong>de</strong> chumbo, os franciscanos<br />
chegaram na hora, comportando-se como seus seguidores, com humilda<strong>de</strong> e<br />
<strong>rev</strong>erência. Em contraste, seus rivais, que haviam aprendido o po<strong>de</strong>r do teatro<br />
com seu lí<strong>de</strong>r, estavam ofensivamente atrasados, entrando finalmente na praça<br />
em uma procissão elaborada, carregando um gran<strong>de</strong> crucifixo à frente. Seu<br />
número aumentado dos fiéis cantando as lau<strong>de</strong>s e os salmos. E ali, no final,<br />
Savonarola em pessoa, orgulhoso e <strong>de</strong>safiador, erguendo a hóstia consagrada.<br />
Isso foi <strong>de</strong>mais para os franciscanos, que exigiram que fosse retirada<br />
imediatamente <strong>de</strong> suas mãos excomungadas. As coisas se agravaram quando o<br />
representante <strong>de</strong> Savonarola, Fra Domenico, comunicou sua intenção <strong>de</strong> carregar<br />
a hóstia e o crucifixo com ele nas chamas. O franciscano, então, se recusou a<br />
acompanhá-lo. Por fim, após muita negociação furiosa — durante a qual, o<br />
corredor <strong>de</strong> fogo ardia cada vez mais alto e quente —, Fra Domenico concordou