INFORMAÃÃO E SEGURANÃA PÃBLICA: A ... - Crisp - UFMG
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depoimento de um policial que, em seu primeiro dia de trabalho, se esforçava por adquirir com<br />
seus colegas mais experientes (“cascudos”) um olhar técnico, o “faro policial”, para fazer seu<br />
trabalho de ronda e patrulhamento das ruas. Eles diziam-lhe que era preciso “ler as ruas” e que<br />
a prática era muito diferente da teoria. Enquanto o novato procurava observar tudo<br />
atentamente na tentativa de detectar alguma anormalidade, seus colegas, que lhe pareciam<br />
distraídos, envolvidos em animada conversa sobre assuntos que não de trabalho, pararam<br />
repentinamente a viatura e abordaram dois rapazes aparentemente insuspeitos, pois eram<br />
“brancos e boa pinta” e apenas andavam, normalmente, pela calçada.<br />
A surpresa de nosso neófito não foi pequena: os rapazes estavam armados e<br />
portavam uma razoável quantidade de papelotes de cocaína. Após encerrar a<br />
ocorrência na delegacia, sua indignação não foi outra: “como vocês sabiam<br />
disso?” A resposta obtida de seus companheiros foi para ele tão inesperada<br />
quanto o seu début com um flagrante: “Ah! Isso vem naturalmente, você vai<br />
sentir, é só olhar” responderam os colegas de guarnição. Disse-me que só<br />
conseguiu compreender inteiramente o que lhe foi ensinado naquele dia<br />
depois que havia adquirido alguma experiência de patrulhamento. Concluiu<br />
sua história dizendo-me que para ser um bom policial nunca se deve parar de<br />
aprender a fazer polícia com as ruas (p.156).<br />
Essa passagem, que demonstra a importância do saber prático dos policiais, revela<br />
também a delicadeza e a sutileza da questão da discricionalidade envolvida no trabalho<br />
policial: E se os suspeitos não estivessem portando drogas ou fazendo algo ilegal? E aqueles<br />
que estão portando ou fazendo algo ilegal, mas não foram notados pelos policiais? O exemplo<br />
serve para ilustrar a necessidade de o policial agir, por um lado, com autonomia, mas, por<br />
outro, dentro de certos limites. Fica evidenciada a importância do planejamento das operações<br />
policiais, do foco em determinados objetivos, de uma atuação limitada por princípios que<br />
recomendem a prudência e, ainda, sob controle e avaliação externa, sobretudo por parte da<br />
população local, o que daria legitimidade e credibilidade às ações policiais.<br />
Pode-se ver que, embora a atividade de polícia seja estruturalmente legal, o trabalho<br />
diário do policial é balizado por questões práticas não previstas em lei, que põem em evidência<br />
a tensão existente entre manutenção da ordem e garantia dos direitos individuais. A polícia<br />
enfrenta o desafio de decidir e orientar suas ações cotidianas nem sempre dentro da legalidade<br />
5 Com base no dicionário Aurélio, pode-se dizer que o poder discricionário é aquele que é exercido sem<br />
restrições, sem condições, arbitrariamente, caprichosamente (arbitrário, caprichoso). O termo tem relação com o