Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa
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Lá estava ele, o velho Sedutor, o Ator, com sua hábil<br />
retórica, seus histrionismos, seu apelo emocional — e<br />
to<strong>do</strong>s os pacientes rebentan<strong>do</strong> de rir. Bem, nem to<strong>do</strong>s:<br />
alguns pareciam perplexos, outros, indigna<strong>do</strong>s, <strong>um</strong> ou<br />
<strong>do</strong>is, apreensivos, mas a maioria parecia achar graça. O<br />
Presidente estava, como sempre, induzin<strong>do</strong> — mas, ao<br />
<strong>que</strong> parecia, induzin<strong>do</strong>-os mais ao riso. O <strong>que</strong> eles<br />
poderiam estar pensan<strong>do</strong>? Poderiam não estar<br />
compreenden<strong>do</strong> o Presidente? Ou talvez estivessem<br />
compreenden<strong>do</strong> bem demais?<br />
Com freqüência se dizia <strong>que</strong> a<strong>que</strong>les pacientes — os<br />
quais, embora inteligentes, sofriam a mais grave afasia<br />
receptiva ou global, sen<strong>do</strong> por isso incapazes de<br />
compreender as palavras em si —, não obstante sua<br />
condição, entendiam quase tu<strong>do</strong> o <strong>que</strong> lhes era dito.<br />
Seus amigos, parentes e enfermeiras, <strong>que</strong> os<br />
conheciam bem, às vezes mal conseguiam acreditar<br />
<strong>que</strong> eles eram mesmo afásicos.<br />
Isso acontecia por<strong>que</strong>, quan<strong>do</strong> lhes falavam com<br />
naturalidade, eles percebiam <strong>um</strong>a parte ou quase to<strong>do</strong><br />
o senti<strong>do</strong>. E naturalmente as pessoas falam com<br />
naturalidade.<br />
Assim, para comprovar a afasia, o <strong>neurologista</strong><br />
precisava fazer <strong>um</strong> esforço extraordinário para falar e<br />
comportar-se de maneira não natural, para remover<br />
todas as pistas não verbais — tom de voz, modulação,<br />
ênfase ou inflexão sugestivos — al<strong>é</strong>m de todas as pistas<br />
visuais (expressões, gestos, to<strong>do</strong> o repertório e postura<br />
<strong>que</strong> em<br />
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grande medida são inconscientes e pessoais); era<br />
preciso suprimir tu<strong>do</strong> isso (o <strong>que</strong> podia exigir <strong>um</strong><br />
disfarce total da pessoa e a total despersonalização da<br />
voz, chegan<strong>do</strong> ao ponto de usar <strong>um</strong> sintetiza<strong>do</strong>r de voz<br />
computa<strong>do</strong>riza<strong>do</strong>) a fim de reduzir a fala a meras<br />
palavras, <strong>um</strong>a fala inteiramente destituída <strong>do</strong> <strong>que</strong><br />
Frege denominava ”cor <strong>do</strong> tom” (Klangenfarberi) ou