Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa
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distraí<strong>do</strong>s. Contentei-me com anotar os números <strong>que</strong><br />
eles diziam — números <strong>que</strong> manifestamente lhes<br />
proporcionavam tanto prazer e <strong>que</strong> eles<br />
”contemplavam”, saboreavam, compartilhavam em<br />
comunhão.<br />
Teriam a<strong>que</strong>les números alg<strong>um</strong> significa<strong>do</strong>,<br />
perguntei-me a caminho de casa, teriam alg<strong>um</strong> senti<strong>do</strong><br />
”real” ou universal, ou (se <strong>é</strong> <strong>que</strong> tinham alg<strong>um</strong>) apenas<br />
<strong>um</strong> senti<strong>do</strong> estapafúrdio ou particular, como as<br />
”línguas” secretas e tolas <strong>que</strong> irmãos e irmãs às vezes<br />
inventam para si mesmos? E, dirigin<strong>do</strong> na volta para<br />
casa, pensei nas gêmeas de Luria — Liosha e Yura,<br />
gêmeas idênticas com dano no c<strong>é</strong>rebro e na fala—e em<br />
como elas brincavam e tagarelavam entre si em <strong>um</strong>a<br />
língua própria, primitiva, balbuciante (Luria e Yu<strong>do</strong>vich,<br />
1959). John e Michael nem se<strong>que</strong>r estavam usan<strong>do</strong><br />
palavras ou meias palavras — simplesmente jogavam<br />
números <strong>um</strong> para o outro. Seriam números ”borgenses”<br />
ou ”funesianos”, meras videiras n<strong>um</strong><strong>é</strong>ricas, crinas de<br />
pônei ou constelações, formas n<strong>um</strong><strong>é</strong>ricas privadas —<br />
<strong>um</strong>a esp<strong>é</strong>cie de jargão n<strong>um</strong><strong>é</strong>rica, conhecida apenas<br />
pelos gêmeos?<br />
Assim <strong>que</strong> cheguei, fui buscar tabelas de potências,<br />
fatores, logaritmos e números primos—lembranças e<br />
relíquias de <strong>um</strong> perío<strong>do</strong><br />
223<br />
singular e isola<strong>do</strong> de minha infância, quan<strong>do</strong> eu<br />
tamb<strong>é</strong>m fora <strong>um</strong>a esp<strong>é</strong>cie de r<strong>um</strong>inante de números,<br />
<strong>um</strong> ”vidente” de números, nutrin<strong>do</strong> por estes <strong>um</strong>a<br />
paixão peculiar. Eu já tinha <strong>um</strong> palpite — e então o<br />
confirmei. To<strong>do</strong>s os números, os números de seis<br />
dígitos <strong>que</strong> os gêmeos tinham compartilha<strong>do</strong>, eram<br />
primos — ou seja, números <strong>que</strong> só podem ser dividi<strong>do</strong>s<br />
em partes iguais por eles mesmos ou por <strong>um</strong>. Teriam os<br />
gêmeos, de alg<strong>um</strong> mo<strong>do</strong>, visto ou possuí<strong>do</strong> alg<strong>um</strong> <strong>livro</strong><br />
como o meu — ou estariam, de alg<strong>um</strong> mo<strong>do</strong><br />
inimaginável, ”ven<strong>do</strong>” números primos, mais ou menos<br />
da mesma forma <strong>que</strong> tinham ”visto” a qualidade de 111