Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa
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direito. O súbito aparecimento de canções irlandesas<br />
durante a noite, a repentina ativação de traços de<br />
memória musical no córtex eram, aparentemente, a<br />
conseqüência de <strong>um</strong> derrame e, quan<strong>do</strong> este se<br />
resolveu, as canções tamb<strong>é</strong>m se ”resolveram”.<br />
Em mea<strong>do</strong>s de abril, a música havia desapareci<strong>do</strong> por<br />
completo, e a sra. O’C. voltara ao normal. Perguntei-lhe<br />
então como ela se sentia com respeito àquilo tu<strong>do</strong> e,<br />
em especial, se sentia falta das músicas paroxísmicas<br />
<strong>que</strong> ouvia. ”É engraça<strong>do</strong> você perguntar isso”, disse<br />
ela, sorrin<strong>do</strong>. ”Em grande medida eu diria <strong>que</strong> <strong>é</strong> <strong>um</strong><br />
grande alívio. Mas, sim, eu sinto <strong>um</strong>a certa falta das<br />
velhas canções. Agora eu nem consigo mais recordar<br />
várias delas. Foi como se me devolvessem <strong>um</strong>a parte<br />
es<strong>que</strong>cida de minha infância. E alg<strong>um</strong>as das músicas<br />
eram verdadeiramente a<strong>do</strong>ráveis”.<br />
Alguns de meus pacientes trata<strong>do</strong>s com levo<strong>do</strong>pa<br />
descreveram-me sentimentos semelhantes — o termo<br />
<strong>que</strong> empreguei foi ”nostalgia incontinente”. E o <strong>que</strong> a<br />
sra. O’C. me disse, sua óbvia nostalgia, lembrou-me<br />
<strong>um</strong>a comovente história de H. G. Wells, ”The <strong>do</strong>or on<br />
the wall” [A porta no muro]. Contei-lhe a história. ”É<br />
isso mesmo”, disse ela. ”Isso capta com perfeição o<br />
espírito, a sensação. Mas minha porta <strong>é</strong> real, assim<br />
como meu muro era real. Minha porta leva ao passa<strong>do</strong><br />
perdi<strong>do</strong> e es<strong>que</strong>ci<strong>do</strong>”.<br />
153<br />
Não encontrei mais casos semelhantes at<strong>é</strong> junho <strong>do</strong><br />
ano passa<strong>do</strong> (1989), quan<strong>do</strong> me pediram para<br />
examinar a sra. O’M., <strong>que</strong> era agora residente <strong>do</strong><br />
mesmo lar para i<strong>do</strong>sos. A sra. O’M. tamb<strong>é</strong>m estava na<br />
casa <strong>do</strong>s oitenta, tamb<strong>é</strong>m era <strong>um</strong> pouco surda e<br />
tamb<strong>é</strong>m viva e alerta. Tamb<strong>é</strong>m ela ouvia música na<br />
cabeça, e às vezes <strong>um</strong> tini<strong>do</strong>, silvo ou estron<strong>do</strong>;<br />
ocasionalmente, ouvia ”vozes conversan<strong>do</strong>”, em geral<br />
”bem distantes” e ”várias ao mesmo tempo”, não<br />
conseguin<strong>do</strong> entender o <strong>que</strong> diziam. Ela não havia<br />
menciona<strong>do</strong> esses sintomas a pessoa alg<strong>um</strong>a, e