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Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa

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Ela precisava não apenas recuperar suas mãos, mas<br />

descobri-las — adquiri-las, obtê-las — pela primeira<br />

vez; não só recobrar <strong>um</strong> sistema gnóstico dissocia<strong>do</strong>,<br />

mas construir <strong>um</strong> sistema gnóstico <strong>que</strong> nunca possuíra.<br />

Seria isso possível?<br />

Os solda<strong>do</strong>s feri<strong>do</strong>s descritos por Leont’ev e<br />

Zaporozhets tinham mãos normais antes da lesão. Tu<strong>do</strong><br />

o <strong>que</strong> precisavam fazer era ”lembrar” o <strong>que</strong> tinham<br />

es<strong>que</strong>ci<strong>do</strong>, ”dissocia<strong>do</strong>” ou ”desativa<strong>do</strong>” devi<strong>do</strong> à lesão<br />

grave. Madeleine, em contraste, não contava com <strong>um</strong><br />

repertório de memória, pois jamais usara as mãos—e<br />

sentia <strong>que</strong> não tinha mãos — nem braços, tampouco.<br />

Ela jamais se alimentara sozinha, usara o vaso sanitário<br />

sozinha ou estendera o braço para pegar alg<strong>um</strong>a coisa,<br />

sempre deixan<strong>do</strong> <strong>que</strong> outros fizessem por ela.<br />

Comportara-se, por sessenta anos, como se fosse <strong>um</strong>a<br />

criatura sem mãos.<br />

Esse, então, era o desafio <strong>que</strong> tínhamos pela frente:<br />

<strong>um</strong>a paciente com sensações elementares perfeitas nas<br />

mãos mas, aparentemente, sem o poder de integrar<br />

essas sensações ao nível das percepções <strong>que</strong> se<br />

relacionavam com o mun<strong>do</strong> e consigo mesma, sem o<br />

poder de dizer ”percebo, reconheço, <strong>que</strong>ro, atuo” no<br />

<strong>que</strong> dizia respeito às suas mãos ”inúteis”. Mas, de <strong>um</strong><br />

mo<strong>do</strong> ou de outro (como descobriram Leont’ev e<br />

Zaporozhets com seus pacientes), tínhamos de fazê-la<br />

agir e usar suas mãos de forma ativa e, esperávamos,<br />

ao fazê-lo, conseguir a integração: ”A integração está<br />

na ação”, disse Roy Campbell.<br />

Madeleine foi receptiva a tu<strong>do</strong> isso; de fato, ficou<br />

fascinada, por<strong>é</strong>m intrigada e sem esperança: ”Como <strong>é</strong><br />

<strong>que</strong> vou poder fazer alg<strong>um</strong>a coisa com minhas mãos se<br />

elas não passam de montes de massa?”.<br />

”No princípio está a ação”, escreveu Goethe. Isso<br />

pode ser verdade quan<strong>do</strong> estamos diante de dilemas<br />

morais ou existenciais, mas não onde o movimento e a<br />

percepção têm sua origem. Contu<strong>do</strong>, tamb<strong>é</strong>m aqui<br />

existe sempre algo súbito: <strong>um</strong> primeiro passo (ou <strong>um</strong>a

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