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Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa

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nossas t<strong>é</strong>cnicas, nossas ”avaliações” são ridiculamente<br />

inadequa<strong>do</strong>s. Só nos mostram d<strong>é</strong>fícits, não<br />

capacidades; mostram apenas problemas para resolver<br />

e es<strong>que</strong>mas, quan<strong>do</strong> precisamos ver música, narrativa,<br />

brincadeira, <strong>um</strong> ser conduzin<strong>do</strong>-se espontaneamente<br />

em seu próprio mo<strong>do</strong> natural.<br />

Rebecca, tive a impressão, era completa e intacta<br />

como <strong>um</strong> ser ”narrativo”, em condições <strong>que</strong> lhe<br />

permitiam organizar-se de <strong>um</strong> mo<strong>do</strong> narrativo; e saber<br />

disso era muito importante, pois permitia <strong>que</strong> a<br />

víssemos, e a seu potencial, de <strong>um</strong>a maneira muito<br />

diferente da imposta pelo m<strong>é</strong>to<strong>do</strong> es<strong>que</strong>mático.<br />

Talvez tenha si<strong>do</strong> bom eu ter visto casualmente<br />

Rebecca em suas duas facetas tão diversas — tão<br />

danificada e incorrigível em <strong>um</strong>a, tão cheia de<br />

promessa e potencial na outra — e tamb<strong>é</strong>m <strong>que</strong> ela<br />

tenha si<strong>do</strong> <strong>um</strong>a das primeiras pacientes <strong>que</strong> atendi em<br />

nossa clínica. Pois o <strong>que</strong> vi nela, o <strong>que</strong> ela me mostrou,<br />

passei a ver em to<strong>do</strong>s eles. À medida <strong>que</strong> continuei a<br />

vê-la, ela pareceu ganhar profundidade. Ou talvez, cada<br />

vez mais, ela revelasse, ou eu viesse a respeitar, seu<br />

íntimo. Não era <strong>um</strong> íntimo totalmente feliz — nenh<strong>um</strong><br />

íntimo <strong>é</strong> — mas era pre<strong>do</strong>minantemente feliz durante a<br />

maior parte <strong>do</strong> ano.<br />

Mas em novembro sua avó morreu, e a luz, a alegria<br />

<strong>que</strong> ela expressara em abril transformaram-se no mais<br />

intenso pesar e escuridão. Ela ficou arrasada, mas<br />

portou-se com grande dignidade. Dignidade e<br />

profundidade <strong>é</strong>tica acrescentaram-se nesse momento,<br />

forman<strong>do</strong> <strong>um</strong> grave e dura<strong>do</strong>uro contraponto ao ser<br />

il<strong>um</strong>ina<strong>do</strong>, lírico, <strong>que</strong> eu vira especialmente antes.<br />

Fui visitá-la assim <strong>que</strong> soube da notícia, e ela me<br />

recebeu com grande dignidade, mas gelada de tristeza,<br />

em seu quartinho na casa agora vazia. Sua fala estava<br />

novamente em arrancos, ”jacksoniana”, com<br />

expressões breves de <strong>do</strong>r e lamento. ”Por <strong>que</strong> ela teve<br />

de ir?”, ela chorou, e depois acrescentou: ”Estou<br />

choran<strong>do</strong> por mim, não por ela”. E então, depois de

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