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Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa

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Mas ter esperança, recorrer a outras pessoas,<br />

interagir, era ”proibi<strong>do</strong>”, e sem dúvida<br />

assusta<strong>do</strong>ramente complexo e ”perigoso” tamb<strong>é</strong>m.<br />

Jos<strong>é</strong> vivera por quinze anos em <strong>um</strong> mun<strong>do</strong> vigia<strong>do</strong>,<br />

fecha<strong>do</strong> — no <strong>que</strong> Bruno Bettelheim, em seu <strong>livro</strong> sobre<br />

autismo, denominou ”fortaleza vazia”. Mas a<strong>que</strong>le<br />

mun<strong>do</strong> não era, nunca fora para ele inteiramente vazio;<br />

sempre existira seu amor pela natureza, pelos animais<br />

e plantas. Essa parte de Jos<strong>é</strong>, essa porta,<br />

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sempre permanecera aberta Mas então surgiu a<br />

tentação, e a pressão, para ”interagir”, pressão <strong>que</strong><br />

muitas vezes foi demasiada, muito precoce E<br />

precisamente nessa ocasião Jos<strong>é</strong> teve <strong>um</strong>a ”recaída”<br />

voltou, como <strong>que</strong> em busca de conforto e segurança, ao<br />

isolamento, aos primitivos movimentos de balanço <strong>que</strong><br />

ele apresentara de início<br />

Na terceira vez <strong>que</strong> vi Jos<strong>é</strong>, não mandei chamá-lo ao<br />

consultório, mas subi, sem avisar, à enfermaria <strong>do</strong>s<br />

rec<strong>é</strong>m-interna<strong>do</strong>s Ele estava senta<strong>do</strong>, balançan<strong>do</strong>-se,<br />

na pavorosa sala de estar <strong>do</strong>s pacientes, rosto e olhos<br />

fecha<strong>do</strong>s, a imagem da regressão Tive <strong>um</strong> arrepio de<br />

horror ao vê-lo da<strong>que</strong>le jeito, pois tinha imagina<strong>do</strong>,<br />

tinha acalenta<strong>do</strong> a id<strong>é</strong>ia de <strong>um</strong>a ”firme recuperação”<br />

Precisei ver Jos<strong>é</strong> na<strong>que</strong>le esta<strong>do</strong> de regressão (como<br />

voltaria a ver muitas e muitas vezes) para perceber <strong>que</strong><br />

não havia para ele <strong>um</strong> simples ”despertar”, mas <strong>um</strong><br />

caminho marca<strong>do</strong> pelo senso de perigo, de duplo risco,<br />

aterra<strong>do</strong>r e ao mesmo tempo excitante — por<strong>que</strong> ele<br />

acabara por amar as grades de sua prisão<br />

Assim <strong>que</strong> o chamei, ele se ergueu n<strong>um</strong> pulo e,<br />

ansioso, ávi<strong>do</strong>, seguiu-me at<strong>é</strong> a sala de arte Mais <strong>um</strong>a<br />

vez, peguei no bolso <strong>um</strong>a boa caneta, pois ele parecia<br />

ter aversão aos gizes de cera, <strong>que</strong> eram os únicos<br />

usa<strong>do</strong>s na enfermaria ”A<strong>que</strong>le peixe <strong>que</strong> você<br />

desenhou”, dei a entender com gestos no ar, sem saber<br />

quanto de minhas palavras ele conseguiria<br />

compreender, ”a<strong>que</strong>le peixe, você consegue se lembrar,

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