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Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa

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grande aprecia<strong>do</strong>ra de histórias,<br />

199<br />

embora não conseguisse aprender a ler (apesar de<br />

tentativas assíduas e mesmo fren<strong>é</strong>ticas); implorava à<br />

avó e a outras pessoas <strong>que</strong> lessem para ela. ”Rebecca<br />

tem fome de histórias”, disse sua avó; e esta,<br />

felizmente, a<strong>do</strong>rava ler histórias e tinha <strong>um</strong>a bela voz<br />

para a leitura, <strong>que</strong> mantinha Rebecca extasiada. E não<br />

só histórias — poemas tamb<strong>é</strong>m. A poesia parecia ser<br />

para Rebecca <strong>um</strong>a necessidade ou fome descomunais—<br />

<strong>um</strong>a forma necessária de alimento, de realidade para<br />

sua mente. A natureza era bela, por<strong>é</strong>m muda. Ela<br />

precisava <strong>que</strong> o mun<strong>do</strong> lhe fosse reapresenta<strong>do</strong> em<br />

imagens verbais, em linguagem, e parecia não ter<br />

dificuldade para acompanhar as metáforas e símbolos<br />

inclusive de poemas muito profun<strong>do</strong>s, em <strong>um</strong> contraste<br />

marcante com sua incapacidade para as proposições e<br />

instruções simples. A linguagem <strong>do</strong> sentimento, <strong>do</strong><br />

concreto, das imagens e símbolos, formava <strong>um</strong> mun<strong>do</strong><br />

<strong>que</strong> ela amava e no qual, em <strong>um</strong> grau notável, era<br />

capaz de penetrar. Embora fosse inepta<br />

conceitualmente (e ”proposicionalmente”), ela se<br />

sentia à vontade com a linguagem po<strong>é</strong>tica, e era ela<br />

própria, de <strong>um</strong> mo<strong>do</strong> vacilante, enternece<strong>do</strong>r, <strong>um</strong>a<br />

esp<strong>é</strong>cie de poeta ”primitiva” instintiva. Metáforas,<br />

figuras de linguagem, analogias surpreendentes<br />

vinham-lhe com naturalidade, embora de <strong>um</strong> mo<strong>do</strong><br />

imprevisível, na forma de súbitas exclamações ou<br />

alusões po<strong>é</strong>ticas. Sua avó tinha <strong>um</strong>a religiosidade<br />

serena, e isso tamb<strong>é</strong>m acontecia com Rebecca: ela<br />

amava o acender das velas <strong>do</strong> sabá, as bênçãos e<br />

orações <strong>que</strong> entremeavam o dia judaico; a<strong>do</strong>rava ir à<br />

sinagoga, onde era estimada (e vista como <strong>um</strong>a filha de<br />

Deus, <strong>um</strong>a esp<strong>é</strong>cie de inocente, <strong>um</strong>a ingênua santa), e<br />

compreendia totalmente a liturgia, os cânticos, preces,<br />

ritos e símbolos <strong>que</strong> compõem o serviço orto<strong>do</strong>xo. Tu<strong>do</strong><br />

isso lhe era possível, acessível, preza<strong>do</strong>, apesar de seus<br />

graves problemas perceptivos e espaço-temporais e

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