Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa
Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa
Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
vários artistas, especialmente os <strong>que</strong> equiparam a arte<br />
à <strong>do</strong>ença; assim, <strong>é</strong> <strong>um</strong> tema — ao mesmo tempo<br />
dionisíaco, venero e faustiano — <strong>que</strong> recorre<br />
persistentemente em Thomas Mann — das febris<br />
excitações tuberculosas de A montanha mágica às<br />
inspirações pela espiro<strong>que</strong>ta em Doutor Fausto e à<br />
malignidade afrodisíaca em sua última história, O cisne<br />
negro.<br />
Sempre me fascinaram essas ironias, e já escrevi<br />
sobre elas antes. Em Enxa<strong>que</strong>ca, mencionei os perío<strong>do</strong>s<br />
de grande bem-estar <strong>que</strong> podem preceder ou constituir<br />
o início <strong>do</strong>s acessos, e citei o comentário de George<br />
Eliot de <strong>que</strong> se sentir ”perigosamente bem” era com<br />
freqüência para ela o aviso ou arauto de <strong>um</strong> acesso.<br />
”Perigosamente bem” - <strong>que</strong> ironia há nisso; expressa<br />
precisamente a duplicidade, o para<strong>do</strong>xo de sentir-se<br />
”bem demais”.<br />
Pois naturalmente ”sentir-se bem” não <strong>é</strong> motivo de<br />
<strong>que</strong>ixa—as pessoas apreciam isso, têm prazer com<br />
essas sensações, <strong>que</strong> são o pólo mais distante da<br />
<strong>que</strong>ixa. As pessoas reclamam quan<strong>do</strong> se sentem mal e<br />
não bem. A não ser <strong>que</strong>, como George Eliot, percebam<br />
alg<strong>um</strong> indício de <strong>que</strong> há ”algo erra<strong>do</strong>” ou perigo, seja<br />
graças ao conhecimento ou associação, seja pelo<br />
próprio excesso de excesso. Assim, embora <strong>um</strong><br />
paciente dificilmente vá reclamar por sentir-se ”muito<br />
bem”, pode desconfiar caso se sinta ”bem demais”.<br />
Esse foi <strong>um</strong> tema central e (por assim dizer) cruel de<br />
Tempo de despertar, pacientes gravemente <strong>do</strong>entes,<br />
por muitas d<strong>é</strong>cadas apresentan<strong>do</strong> os d<strong>é</strong>ficits mais<br />
pronuncia<strong>do</strong>s, podiam sentir-se bem subitamente,<br />
como por milagre, só para logo em seguida mergulhar<br />
nos perigos, nas tribulações <strong>do</strong> excesso, das funções<br />
estimuladas muito al<strong>é</strong>m <strong>do</strong>s limites ”permissíveis”.<br />
Alguns pacientes perceberam isso, tiveram<br />
premonições; mas outros não. Por exemplo, Rose R., no<br />
primeiro ar<strong>do</strong>r e alegria da saúde recobrada, exclamou:<br />
”É fabuloso, <strong>é</strong> esplêndi<strong>do</strong>!”. Mas quan<strong>do</strong> a situação