19.04.2013 Views

Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa

Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa

Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

72<br />

formada, mas ”esquisita” e fria. Na<strong>que</strong>le momento, ele<br />

teve <strong>um</strong>a id<strong>é</strong>ia l<strong>um</strong>inosa. Agora percebia o <strong>que</strong> tinha<br />

aconteci<strong>do</strong>: era <strong>um</strong>a brincadeira! Uma brincadeira<br />

extremamente monstruosa e de mau gosto, mas muito<br />

original! Era v<strong>é</strong>spera de ano-novo, to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> estava<br />

comemoran<strong>do</strong>. Metade <strong>do</strong> pessoal <strong>do</strong> hospital estava<br />

bêbada, as piadas e tru<strong>que</strong>s imperavam: <strong>um</strong> cenário de<br />

carnaval. Obviamente <strong>um</strong>a das enfermeiras com senso<br />

de h<strong>um</strong>or macabro entrara furtivamente na sala de<br />

dissecação e surrupiara <strong>um</strong>a perna, depois viera ao seu<br />

quarto e a colocara discretamente debaixo das<br />

cobertas, por brincadeira, enquanto ele ainda <strong>do</strong>rmia a<br />

sono solto. Ele ficou muito alivia<strong>do</strong> com a explicação;<br />

mas, achan<strong>do</strong> <strong>que</strong> brincadeira tinha limite, ele jogou<br />

a<strong>que</strong>la coisa horrorosa para fora da cama. Mas — e<br />

nesse ponto o tom de conversa o aban<strong>do</strong>nou e ele<br />

subitamente empalideceu e se pôs a tremer —, quan<strong>do</strong><br />

ele a jogou para fora da cama, de alg<strong>um</strong> mo<strong>do</strong> ele foi<br />

junto — e agora ela estava grudada nele.<br />

”Olhe só para isto!”, ele bra<strong>do</strong>u, com expressão de<br />

asco. ”Já viu <strong>um</strong>a coisa tão horripilante, pavorosa?<br />

Pensei <strong>que</strong> <strong>um</strong> cadáver era apenas algo morto. Mas isto<br />

<strong>é</strong> sinistro! E de alg<strong>um</strong>a forma — coisa me<strong>do</strong>nha! — ela<br />

parece grudada em mim!” Ele agarrou a perna com as<br />

duas mãos, com <strong>um</strong>a violência extraordinária, e tentou<br />

arrancá-la de seu corpo; não conseguin<strong>do</strong>, socou-a em<br />

<strong>um</strong> acesso de raiva.<br />

”Devagar!”, falei. ”Tenha calma. Não esmurre a<br />

perna desse jeito”.<br />

”E por <strong>que</strong> não?”, ele perguntou irrita<strong>do</strong>, beligerante.<br />

”Por<strong>que</strong> <strong>é</strong> sua perna”, respondi. ”Não reconhece sua<br />

própria perna”?<br />

Ele me fitou com <strong>um</strong> misto de estupefação,<br />

incredulidade, terror e divertimento, não sem <strong>um</strong>a<br />

pontinha de desconfiança jocosa. ”Ah, <strong>do</strong>utor!”, falou,<br />

”está brincan<strong>do</strong> comigo! Está mancomuna<strong>do</strong> com<br />

a<strong>que</strong>la enfermeira — não devia pregar peças nos

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!